Friday, November 09, 2012

DA VIDA

Edição 82, 9 Novembro 2012 DA VIDA Não se tem de andar constantemente de pistola na mão a apelar à revolta e à revolução. Contudo, penso que, nos tempos que correm (e em todos os tempos...), não faz sentido que o poeta, o escritor e o intelectual não se pronunciem de forma crítica sobre a sociedade em que vivem. Temos de denunciar que a vida assim não é vida. Que há forças que se escondem por detrás das medidas fascizantes dos governantes. Que há essa entidade a que chamam os mercados, a quem todos obedecem. Que há os "credores", os especuladores, a bolsa, os banqueiros, os economistas, os grandes empresários, essa gente altamente recomendável. É preciso dizer que todos eles nos chulam, nos roubam, nos vão dando cabo da vida. E a vida é o que realmente interessa, como dizia Henry Miller. A vida é respirar, é estar vivo, é estar aqui mas é também gozar o instante, construir o presente, amar o próximo e o longínquo, mexer os dedos e a caneta, andar à solta sem imposições, sem castrações, sem culpas. A vida é certamente a liberdade livre de Sade e dos surrealistas, não o trabalho, não o sacrifício, não o que nos obrigam a fazer. A vida é certamente acordar contigo, ouvir as fontes e os pássaros, dançar em redor da fogueira, como cantava Morrison. A vida é certamente tirar todos esses imbecis do poder, caciques locais de Câmara e de Junta incluídos. A vida é ajudar esta gente a sair da cegueira, como fazia Sócrates, como fazia Shakespeare. Café São Cristóvão, Braga, 2.11.2012 --- EU ACUSO! Todo o percurso que fiz até aqui. O rapaz que era. A timidez. A dificuldade de me relaciionar com as raparigas. Os versos que então escrevia. Já então pensava muito. Depois veio a noite, os copos, os concertos. Descobria a liberdade no Tuaregue, no Deslize, em Braga, na Rua Nova de Santa Cruz. Tornei-me então outro, aquele que sobressaía, que provocava, que dançava. Mas as grandes depressões travaram a minha caminhada. Fiquei inerte, insoluvelmente melancólico, incomunicável. Passavam-se os meses dolorosamente e, aos poucos, readquiria a vida. Fui para o palco, cantei, recitei, fiz a festa. Agora estou aqui, aos 44 anos, mais sábio, mais virtuoso, mas ainda desejoso de passar para o outro lado. Ainda morrisoniano, nietzscheano, consciente de que a vida não se resume a uma fórmula única e irreversível. Consciente de que os medíocres que nos governam e querem controlar não passam de uns imbecis sem alma nem coração, sem inteligência. Consciente de que posso chegar ao palco e dizê-lo. Consciente de que nada há a perder, de que fiz o meu percurso e de que não devo nada a ninguém. Posso estar aqui sozinho na confeitaria com os meus livros mas acuso esses medíocres do poder de destruírem a vida, de matarem de fome, tédio e depressão, de darem cabo de tudo quanto é arte, belo, exuberância, de assassinarem a juventude e a infância, de amputarem a liberdade e o amor. Acuso-os de não fazerem parte da humanidade, nem da vida. --- A NOVA ERA A verdadeira vida é poética. Rimbaud disse que no mundo da prosa, "a verdadeira vida está ausente". O estado prosaico é utilitário e funcional e inclui, nas palavras de Edgar Morin, o sobreviver, o ganhar a vida, "o trabalho opressor, monótono, parcela, na ausência ou no recalcamento da afectividade". É o mundo da economia, do acumular dinheiro, da exploração, dos mercados, do tédio. Em contrapartida, a poesia é celebração, comunhão, embriaguez, dança, canto, música, transe, êxtase, maravilhamento com o belo e, claro, amor. A revolução só pode estar do lado da poesia, do amor, da liberdade, como diziam os surrealistas. É aí que o homem renascido se realiza. Não no sacrifício, não na culpa, não no pecado. Não numa "vida" sem novidade, sem curiosidade, sem descoberta. Não faz sentido vir ao mundo para sofrer, para ser humilhado, para andar deprimido, para pensar constantemente no suicídio. Abracemos a dádiva da vida, construamos um mundo de amor e poesia. Não nos deixemos derrotar pelos cinzentos, pelos pregadores da morte, pelos destruidores da vida. Não trabalhemos mais para eles. Celebremos Dionisos e o homem livre. Quem disse que era impossível? Unamo-nos. Ocupemos as praças. Nós não somos como eles. Nós não viemos explorar ninguém. Não viemos enganar ninguém. O mundo é nosso. Eles não podem roubá-lo mais. Eles não podem destrui-lo mais. Este é o início de uma nova era. Este é o renascimento do homem. Este é o banquete permanente. O homem veio para se ultrapassar, não para andar atrás de migalhas, não para ser escravo de outros homens ou da máquina. O homem veio para se transcender, para abrir novas vias, novos reinos. Todos nós podemos ser deuses. Amamos profundamente a vida. Queremos gozá-la sem entraves. Eles não podem impedir-nos. Eles não podem roubar-nos a poesia. Eles não podem roubar-nos a infância. www.jornalfraternizar.pt.vu

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