Thursday, July 26, 2012

TRIP NO PIOLHO

Sou o maior poeta vivo. Poderia dizê-lo. Ainda estou vivo e não vejo outros melhores. Talvez esteja a exagerar. Mas o que é que me impede? Pelo menos, tal como Pessoa, escrevo a um ritmo frenético. Sou o maior poeta vivo. Bem, morto não estou. A médica fala-me de AVC's e de ataques cardíacos. Mas eu vou prosseguindo a viagem. Mesmo que venham dilúvios eu vou permanecer aqui. A conversa dos outros é a matéria-prima. Gostava das minhas primas mas já não as vejo há muito tempo. Segui o meu caminho. Para alguns, o caminho da perdição. Já me apelidaram de maldito. Os outros bebem e eu não. Não preciso. Estou com o pedal todo. D. Sebastião em Alcacer-Quibir com um exército de fantasmas. Sou o maior poeta vivo. O que ganho com isso? Ninguém paga a minha arte. Continuo a escrever. É isso que sei fazer. Poderia escrever continuamente durante horas e horas. Gasto tinta e papel. Têm um preço. Mas um valor muito superior. Porque raio é que uma maluca qualquer não vem falar comigo? Sou obrigado a ver jogos em cima de jogos? Sou o maior poeta vivo. Ser ou não ser, eis a questão. Só não utilizo palavras herméticas. Dama oculta, vem ter comigo esta noite. Dá-me o teu coração e a tua beleza. Estou no Piolho à tua espera, antes que chegue o chato do costume. Um homem puxa tanto pela cabeça e é esta a recompensa que tem? Estou lúcido como Álvaro de Campos. Pensar é a minha profissão. Passo os pensamentos para o papel. Hoje sou absolutamente capaz de o fazer. Não há limites, ó velhote do boné. No piolho escrevo o poema infinito. Escreverei até morrer. Emendo aqui e ali. Escrita automática et voilá. Eia, Breton, eia, Péret, eia, Artaud. Volto aos surrealistas. Por um lado, ainda bem que as mulheres não vêm. Nem elas nem ninguém. Produzo livremente. Olha, sou um trabalhador da palavra! E esta, ein, ó Fernando Pessa? Um operário da palavra. Um proletário, logo eu. Tantas vezes acusado de preguiça, de desleixo, de vadiagem. Sou vadio mas produzo. Vou montar uma fábrica. Empresário, eu? Deus me livre! E o que é que Deus tem a ver comigo? E o que é que é Deus? Porque se fala tanto em Deus? Deus morreu. Deus nunca existiu. Sou o maior poeta vivo. Bebo copos com ninguém. Estou em tertúlia comigo próprio. Olho as horas. Penso. Todo eu sou pensamento. Mas a miúda da mesa do lado fala. Existe. O velhote do boné também e o Adriano e os outros empregados e o sr. Martins e a Via Láctea e o Universo talvez até Deus Poderia passar a vida a ler lia, comia, bebia, mijava, cagava e nem sequer fazia amor porque não me faria falta aliás, acho que se dá demasiada importância ao sexo posso viver como Fernando Pessoa posso julgar-me ao nível dele acho que vou voltar aos crofts e às macieiras há vinte anos em Ofir estava num determinado caminho de excesso a seguir uma via muito própria era único mas depois desviei-me as moedas em cima da mesa chegam para o café as duas miúdas que entraram são engraçadas o ministro das Finanças deprime-me se tivesse a carteira recheada ficava noite fora a beber tive dinheiro em Junho mas fiquei com tonturas por causa dos quadrados e dos rectângulos no chão ouço os meus semelhantes mas eles não me conseguem surpreender porra a merda do café também dá cá um speed imagina se passasse a tomar seis ou sete por dia o que não seria? Passar o dia inteiro a produzir sou o maior poeta vivo sou o pateta da caneta sou aquele que espera e não cai vou parar um pouco vou mijar interromper a obra-prima já disse, não vejo as minhas primas há muito tempo até gostava muito de uma mas enfim, não lhe liguei armei-me em poeta há qualquer droga que me faz escrever assim ou vem tudo da mente? Demente já fui agora sou um cidadão respeitável que vem escrever para o Piolho e que não deixa dívidas há 20 anos andei aqui aos berros por causa do Fidel o Tintin no ecrã o capitão Haddock com mil raios etc e tal chegarei a casa vivo ou desfalecerei exausto de trabalho? Tomai lá, ó obreiristas! Quem me explora? Onde está o meu salário?

Sunday, July 22, 2012

THE KING IS NOT DEAD

Aqueles que só falam de negócios nada têm de belo, de elevado, de sublime. Jamais serão poetas ou filósofos. Os burgueses nada me dizem. Têm dinheiro mas são escravos dele. Nem sequer sabem amar uma mulher, uma deusa. São incapazes de ver nelas a luz e a virtude. Grosseiros, macacos, merceeiros. Não será com estes que faremos a revolução. Aliás, eles desprezam-nos, sabem que os queremos der...rubar. Vimos de Camelot e da Grécia. As conversas deles aborrecem-nos de morte. Não somos sequer da espécie deles. Não nos abaixamos, não nos submetemos para entrar na treta deles. A partir de certa altura, deixámos de o fazer. Preferimos a solidão. Temos percorrido o caminho da grande solidão. Não andamos atrás de Ferraris nem de riquezas. Isto vai virar. Sabemos que vai virar. Voltaremos a ser reis.

Tuesday, July 17, 2012

O ESTAR AQUI

Sou poeta, escritor. E daí? Questiono-me, não me contento com o dominar da técnica. Apesar de também ter de comer e de beber, penso que a questão da sobrevivência não é, de forma nehuma, a única questão. Interrogo-me acerca de Deus, de quem criou isto, do estar vivo, do porquê de estar aqui. E é fundamentalmente a estas questões e à da arte que me quero dedicar até ao fim dos meus ...dias. Claro que também me quero divertir, reinar, dançar. Mas o meu trabalho é procurar o conhecimento, sobretudo o conhecimento das questões que enumerei. Se estou vivo, não é obra do acaso, os meus pais puseram-me aqui. Desenvolvi os hábitos de ler e escrever, preocupo-me com a humanidade, envolvi-me em causas, não vim simplesmente passar o tempo. Há dias, como hoje, em que escrever me dá um especial gozo, mesmo que passe o dia sozinho. Posso também debruçar-me sobre o acto de escrever. Há outros dias em que escrever é o último refúgio, em que é combate com a solidão, com a depressão. Contudo, escrever é também para mim uma profissão mais até uma missão. É a forma de comunicar as minhas ideias, de descrever e explicar o estar vivo, o estar aqui. Certamente que pretendo criar, que pretendo acrescentar alguma coisa ao mundo, que, embora me repita, acabo por fazer filosofia. Seria, sem dúvida, fascinante se pudesse discutir estas questões com alguém mas ando a fazer uma espécie de retiro espiritual. Todavia, creio que estou no bom caminho. Que coloco as questões de sempre, as verdadeiras questões. Mas ainda não me considero um filósofo. No fundo, a partir de certa altura deixei de pactuar com o simplismo, com o de toda a gente. Segui o meu caminho. Não me arrependo. Estou certamente aqui a fazer alguma coisa de relevante.

Monday, July 16, 2012

SONHADOR

Ainda existe bondade entre as pessoas, sobretudo quando as crianças estão presentes. Nem tudo está controlado pelo capitalismo dos mercados. Segundo Sócrates, toda a aprendizagem deveria resultar de um conjunto de questões: qual é o meu dever? Como devo amar? Que tipo de mundo quero e deveria querer? O que provoca a pobreza? O que é que a pobreza provoca? O meu dever é, sem dúvida, cultivar-me, procurar o conhecimento e transmitir esse conhecimento pelas mais diversas vias. Já aos 15/16 anos escrevia umas letras em inglês para uma banda imaginária: "Everybody Needs Love", "Sometimes I'm Me". Já então falava no amor e na liberdade, escrevia para mim, não sei bem, poucas pessoas leram essas letras. Agora chego a mais gente e desenvolvo a "philía", a amizade, a fraternidade. Certamente que quero um mundo diferente deste, um mundo sem mercados, sem atropelos, sem competição, um mundo onde os homens discutem a pólis e decidem na praça pública, sem necessidade de governos nem de polícias, um mundo de iguais, de gente esclarecida, sem ricos nem pobres. Como diz John Lennon em "Imagine", "tu podes dizer que sou um sonhador", talvez o seja, mas não suporto mais a castração mediática, não suporto mais que outros vivam por nós a nossa vida.

Sunday, July 15, 2012

O QUE FAZEMOS AQUI?

"Nada pode dispensar a vida de ser absolutamente apaixonante", diziam os membros da Internacional Letrista. Mas "eles" não querem deixar que a vida seja absolutamente apaixonante. O domínio da economia e do capitalismo destroem a vida. Vida que é, muitas vezes, entediante, castradora, vazia. Mas só uma pequena parte de nós se interroga sobre a questão. Só uma pequena part...e de nós se apercebe que somos reduzidos à condição de espectadores, que as celebridades e os actores da televisão vivem por nós a vida. Além de nos condenarem a trabalhar para ganhar a vida, roubando-nos o tempo e sujeitando-nos o tempo e sujeitando-nos a regras que nos vão destruindo a vontade de viver, atiram-nos para a miséria ou para o desemprego, roubando-nos quase todo o poder que temos sobre a nossa vida, ou então fazendo-nos mergulhar na depressão ou no desejo de suicídio, roubando-nos o que nos resta. Não, não podemos aceitar que o capitalismo dos mercados e a máquina de propaganda controlem completamente as nossas vidas. Somos seres autónomos, pensamos, somos capazes de criar arte e ideias, vimos da filosofia, da Grécia antiga, vimos dos grandes poetas, dos grandes artistas. Temos o direito de viver uma vida absolutamente apaixonante. Não esta sub-vida, esta sobrevivência onde são sempre os mesmos comentadores a falar nos media, onde as opiniões realmente divergentes são silenciadas. Não, o homem não pode continuar a viver de migalhas, o homem não pode continuar a viver dominado pela economia, o homem é muito mais do que isto, o homem inventou os deuses e o deus único, o homem é capaz do amor e da bondade, o homem é alma, espírito. Não podemos viver mais acorrentados, nós nascemos livres. Nós somos capazes de grandes feitos. Como aceitar estarmos reduzidos a isto, a autómatos, a escravos do dinheiro? Não viemos para isto, porra! O que é que estamos a fazer na Terra? Quem somos? Porque nos deixamos levar? Porque não questionamos o transe?