Friday, December 16, 2011

NA PÓVOA


Na Póvoa, de novo. Escrever é fazer parte do mistério. É cantar o mundo, cantar a vida. É estar aqui parado a puxar pela cabeça, é ir ao fundo do problema.
É também estar aqui a beber cerveja. A observar os outros. A agarrar a vida. Hoje tenho cacau nos bolsos para desbundar. Sou um escritor. Escrevo. Vivo das palavras. Venho ao local de encontro com duas horas de antecedência. Vou até Montalegre filmar. Bebo. Sou contra o mundo. Não aceito os mercados nem os governos dos mercados. Não tenho de alinhar com os alinhados. Sou um poeta maldito. Bebo. Estou à mesa. Começo a ficar farto dos poemas de café. Quero ser um poeta maior. Farto-me que digam que sou o último dos poetas de café. Quero ser maior. Como Rimbaud, como Shakespeare. Quero escrever como um bardo. Estou a caminho do reconhecimento em vida. Sim, agora sinto-o. Estou na via. Apesar das doenças, estou na via. Não me tirais isso, ó vendilhões. Não me tirais isso, ó merceeiros. Bebo. Estou ébrio de vida. Celebro a vida. Sou o poeta à mesa que aguarda o Conde Ferreira. Bebo porque tenho o direito de beber. Bebo porque estou à mesa vivo. Os outros abandonaram o café. Eu estou vivo. Mais vivo do que nunca. Escrever é a minha missão. Sou o homem que escreve em frente ao copo. Nada mais. Se tivesse mais dinheiro passava o dia a beber. Claro, conversava com as minhas amigas. Não, não alinho nessa estratégia de esconder-me do mundo, nesse colocar-me totalmente à margem. Sou de mim. Sou dono do copo. Escrevo o que me apetece, o que me dá na real gana. Não sou, de facto, inferior a alguns que andam por aí a pavonear-se. Venho dos grandes. Nada tenho a ver com o BPN nem com o Cavaco. Sou um homem livre, pronto a enfrentar o mundo. Estou aqui na Póvoa. A Póvoa já me deu muito. Estou como o Jaime com dinheiro para a cerveja. Já não sou do Bloco de Esquerda. Mas ainda tenho opiniões políticas. Não quero bancos. Não gosto de bancos. Nem sequer tenho conta bancária. Os mercados fodem-me a cabeça. A Europa a ruir e eu aqui. Sou louco, muito louco. Estou-me nas tintas para a Merkel! Quero a Europa a cair de vez. Esta Europa. Também não atino com governos de banqueiros e tecnocratas. Estou farto. O que é que o Lobo Antunes diz mais do que eu? Eu escrevo sobre mim próprio. Fernando Pessoa também o fazia. Não estou em crise. Não atireis a crise para cima de mim. Sou escritor. Publico livros. Ganho algum dinheiro com os livros. Não tenho que obedecer ao governo, não tenho de dar o benefício da dúvida ao governo. Odeio o governo. Defendo um golpe militar como o Otelo. Não me domesticais. Estou à mesa e escrevo. Faço disso a minha vida. Aqui na Póvoa, hoje, proclamo a minha soberania. Não me atireis Cavacos! Não me obrigueis a ouvi-lo. Estou farto desses chacais. Sou o homem do mundo. Sou o homem que dança. Bebo. Com todo o direito. Já não sou nenhum puto. Bebo, porra! Não me venhais dizer o que tenho de fazer. Bebo, sou bêbado, tenho todo o direito a sê-lo. Não me atireis cavacos. Não me atireis conversa fiada. Estou farto do Passos e do Cavaco. Quero que caiam! Estou farto do paleio da economia. Não, não conteis comigo. Eu estou na estrada certa. Eu estou na estrada larga. Sou de Whitman, de Miller. Não sou dos menores. Estou farto de menores. Escrevo. Faço horas neste café à espera do Conde Ferreira, como em Paredes de Coura. Vivo. Tenho palavras, solto palavras. Sou o anjo maldito. Não sou dos mercados. Quero que os mercados se fodam e o Paulo Bento também! Basta! Estou farto de mediocridades. Estou farto de poetas menores. Sinceramente, depois do décimo livro, já não me situo no clube dos poetas menores. Sinceramente já percorri um caminho. Não sou dos que se andam para aí a pavonear-se. Sou Deus. Eterno e omnipresente. Nada tenho a perder. Tenho tudo a ganhar. Não, não me atireis os escritores da moda. Estou farto deles. Escrevo melhor do que eles. Sou capaz. Eu sei que sou capaz. Não, nada de menoridades. Sinceramente, ao décimo livro, atingi um patamar. Não sou o poeta da moda. Não sou o poeta “in”. Vou até ao fim. Farto-me de futeboleiros.

1 comment:

G. HANOCH said...

Bravo!!!
Muito bom!!!