Sunday, October 30, 2011

FILHO DO SOL


A agitação mantém-se. Não consigo dormir. Escrevo para mim e para os deuses. Sou o intérprete da palavra divina. Não sou quem era mais. Sou o novo homem. O anunciado por Zaratustra. Olho a janela em busca da manhã. Ela ainda não vem. Uma parte de mim boceja mas não é suficiente para conseguir dormir. Sou do dia que principia. Sou filho do sol. Do Grande Meio-Dia. Ouço os galos. Nego Jesus. Terei algo a ver com ele. Também eu sou um pregador. Não da morte, mas da vida. Da vida que brota e se anuncia com a manhã. Da vida que é vontade e movimento. Celebro o triunfo da arte sobre a sobrevivência. Sou eu mesmo o artista/criador. Não quero sobreviver, sub-viver, quero viver. Quero a celebração permanente.

Saturday, October 29, 2011

TRIP NO PIOLHO


TRIP NO PIOLHO (texto de ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO)
[texto de antónio pedro ribeiro]

TRIP NO PIOLHO

Sou o maior poeta vivo. Poderia dizê-lo. Ainda estou vivo e não vejo outros melhores. Talvez esteja a exagerar. Mas o que é que me impede? Pelo menos, tal como Pessoa, escrevo a um ritmo frenético. Sou o maior poeta vivo. Bem, morto não estou. A médica fala-me de AVC's e de ataques cardíacos. Mas eu vou prosseguindo a viagem. Mesmo que venham dilúvios eu vou permanecer aqui. A conversa dos outros é a matéria-prima. Gostava das minhas primas mas já não as vejo há muito tempo. Segui o meu caminho. Para alguns, o caminho da perdição. Já me apelidaram de maldito. Os outros bebem e eu não. Não preciso. Estou com o pedal todo. D. Sebastião em Alcacer-Quibir com um exército de fantasmas. Sou o maior poeta vivo. O que ganho com isso? Ninguém paga a minha arte. Continuo a escrever. É isso que sei fazer. Poderia escrever continuamente durante horas e horas. Gasto tinta e papel. Têm um preço. Mas um valor muito superior. Porque raio é que uma maluca qualquer não vem falar comigo? Sou obrigado a ver jogos em cima de jogos? Sou o maior poeta vivo. Ser ou não ser, eis a questão. Só não utilizo palavras herméticas. Dama oculta, vem ter comigo esta noite. Dá-me o teu coração e a tua beleza. Estou no Piolho à tua espera, antes que chegue o chato do costume. Um homem puxa tanto pela cabeça e é esta a recompensa que tem? Estou lúcido como Álvaro de Campos. Pensar é a minha profissão. Passo os pensamentos para o papel. Hoje sou absolutamente capaz de o fazer. Não há limites, ó velhote do boné. No piolho escrevo o poema infinito. Escreverei até morrer. Emendo aqui e ali. Escrita automática et voilá. Eia, Breton, eia, Péret, eia, Artaud. Volto aos surrealistas. Por um lado, ainda bem que as mulheres não vêm. Nem elas nem ninguém. Produzo livremente. Olha, sou um trabalhador da palavra! E esta, ein, ó Fernando Pessa? Um operário da palavra. Um proletário, logo eu. Tantas vezes acusado de preguiça, de desleixo, de vadiagem. Sou vadio mas produzo. Vou montar uma fábrica. Empresário, eu? Deus me livre! E o que é que Deus tem a ver comigo? E o que é que é Deus? Porque se fala tanto em Deus? Deus morreu. Deus nunca existiu. Sou o maior poeta vivo. Bebo copos com ninguém. Estou em tertúlia comigo próprio. Olho as horas. Penso. Todo eu sou pensamento. Mas a miúda da mesa do lado fala. Existe. O velhote do boné também e o Adriano e os outros empregados e o sr. Martins e a Via Láctea e o Universo talvez até Deus
Poderia passar a vida a ler lia, comia, bebia, mijava, cagava e nem sequer fodia porque não me faria falta aliás, acho que se dá demasiada importância ao sexo posso viver como Fernando Pessoa posso julgar-me ao nível dele acho que vou voltar aos crofts e às macieiras há vinte anos em Ofir estava num determinado caminho de excesso a seguir uma via muito própria era único mas depois desviei-me as moedas em cima da mesa chegam para o café as duas miúdas que entraram são engraçadas o ministro das Finanças deprime-me se tivesse a carteira recheada ficava noite fora a beber tive dinheiro em Junho mas fiquei com tonturas por causa dos quadrados e dos rectângulos no chão ouço os meus semelhantes mas eles não me conseguem surpreender porra a merda do café também dá cá um speed imagina se passasse a tomar seis ou sete por dia o que não seria? Passar o dia inteiro a produzir sou o maior poeta vivo sou o pateta da caneta sou aquele que espera e não cai vou parar um pouco vou mijar interromper a obra-prima já disse, não vejo as minhas primas há muito tempo até gostava muito de uma mas enfim, não lhe liguei armei-me em poeta há qualquer droga que me faz escrever assim ou vem tudo da mente? Demente já fui agora sou um cidadão respeitável que vem escrever para o Piolho e que não deixa dívidas há 20 anos andei aqui aos berros por causa do Fidel o Tintin no ecrã o capitão Haddock com mil raios etc e tal chegarei a casa vivo ou desfalecerei exausto de trabalho? Tomai lá, ó obreiristas! Quem me explora? Onde está o meu salário?

[texto de antónio pedro ribeiro]

Friday, October 28, 2011

O HOMEM DO ESPÍRITO E DO CORAÇÃO


O HOMEM DO ESPÍRITO E DO CORAÇÃO


O poder foi tomado por um bando de mentirosos" (Vasco Lourenço)


O poder foi tomado por um bando de mentirosos que nos roubam os subsídios, as conquistas de dezenas de anos, e o próprio ser. O governo de Passos Coelho está ao serviço do poder financeiro, dos "mercados" e dos banqueiros que sacam à vez, da ditadura de Obama, Merkel e Sarkozy e da máquina infernal de propaganda, vulgo media. O hom...em e a mulher, reduzidos a escravos e macacos, afundam-se cada vez mais na depressão, em doenças mentais, no suicídio. O homem está a ser assassinado na sua essência, privado dos seus direitos fundamentais, está a tornar-se num sub-homem com uma sub-vida. Contudo, ao mesmo tempo, vemos as revoltas na Grécia, em Itália, em Inglaterra e mesmo em Portugal. Começa a ser a hora do tudo ou nada, do agora ou nunca, acabou o tempo das "risadas e das doces mentiras". Um novo homem está a nascer dos escombros do capitalismo, um homem que questiona, que cria, que sai para a rua, que parte os bancos e as montras das lojas de luxo. Esse homem não aceita mais as patranhas da TV e dos comentaristas do regime. Esse homem sabe que chegámos a um ponto onde estamos entre a revolução e a barbárie. Esse homem é capaz de interpretar o mundo de hoje e de transformá-lo. Não suporta mais ver o seu irmão cada vez mais a dormir nas ruas, a pedir nas ruas. Não aceita mais ser governado por macacos e imbecis, que nada têm na mente, a não ser números e finanças. Não se identifica com o sub-homem, que se reduz à bola e à intriga. Esse homem diz "merda para Deus" e para todos os deuses, a começar pelo dinheiro. Esse homem vale por si mesmo e é a medida de todas as coisas. Não aguenta mais ser enganado, escravizado. Esse é o homem do espírito e do coração.



ELES ROUBAM-NOS A VIDA


Não, não me venham com histórias. Há dias em que estamos embriagados, dias em que estamos sob o "efeito coca", mágicos, triunfantes, mas isso é sempre passageiro e este mundo de tédio e castração que nos vendem todos os dias vai-nos assassinando, não presta. É o dia dos horários de trabalho, do lazer consumista, do tempo que nos roubam, da vida que nos roubam. São as notícias e a programação imbecil que nos espetam nos cornos e que nos fazem a cabeça. São as relações de tédio, sem amor, que imperam entre as pessoas dentro e fora do trabalho. É a escola que reproduz relações mecanizadas e de subserviência. São as relações de mercado, de compra e venda generalizadas. É a competição e a luta pela sobrevivência. Não, de facto, isto a que chamam "vida" em pleno sec. XXI, em pleno capitalismo dos mercados fede, não presta. Importa dizer que o ser humano está a ser assassinado na sua essência. O sentido da festa, da celebração perde-se em comemorações artificiais ou futebolísticas. A felicidade é uma miragem. A liberdade é sempre condicionada. Importa que o ser humano se consciencialize, que seja capaz de se bater por um mundo de espírito e de coração e não de luta desenfreada. Importa que todos os entediados e todos os deprimidos tomem consciência de que estão a ser oprimidos e que se levantem contra essa opressão. Porque a infelicidade não pode ser mais aceite como uma fatalidade. Porque alguns, os que lideram a máquina, são responsáveis pela nossa infelicidade e pela nossa morte em vida. Não tenhamos dúvidas. Eles roubam-nos a vida. Os macacos da propaganda e dos mercados e todos os que os servem violentam-nos todos os dias.

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Wednesday, October 26, 2011

HÁ DIAS, NOITES


Há dias, noites
em que escrevo
sem limites
em que me atiro
de caras
ao infinito
todo eu sou loucura
embriaguez
estou-me nas tintas
para a vossa tranquilidade
há dias, noites
em que tenho asas
em que navego
por mares revoltos
em que sou
vontade e potência
em que canto
o caos e a barbárie
não, não espereis
de mim o homem tímido
nem a concórdia
sou a viagem
e o delírio
aquele que vem
dos santos
e dos séculos
o ouro primordial.

VIVO


Eles tentam dizer-me
que a vida é agradável
eles tentam dizer-me
que nada se paga
eles tentam vender-me
os sorrisos da treta
as mulheres inacessíveis
que surgem no ecrã
eles tentam alterar-me
o raciocínio
fazem-me cair
deprimido
sem alma
não vão conseguir
não podem conseguir
eu estou vivo.

Tuesday, October 25, 2011


Tremo. Afasto-me do mundo. Estou cada vez mais louco. Cada vez mais longe da minha espécie. Tão longe. Vejo um anjo. Atravesso a aldeia. Sou espírito. Voo. Tudo em mim é excesso. Quero escrever como Zaratustra.

Monday, October 24, 2011

ANIMAL DE PALCO


Nos últimos tempos, apesar de ter vários amigos e amigas, João continuava a ser um solitário. Na aldeia onde morava, João só falava com três ou quatro pessoas: o barbeiro, a D. Rosa, o intelectual da aldeia, o gerente do hipermercado. Como não se metia nas conversas do futebol, como não se dava a conhecer, como raramente apanhava bebedeiras na aldeia, João mantinha uma relação distante com as pessoas: bom dia, boa tarde, mais nada. João era profundamente urbano. Tinha as tertúlias, com outros poetas e escritores no Piolho, tinha as noites de poesia no Púcaros e no Pinguim, tinha as amigas. A aldeia aborrecia-o, enchia-o de tédio, nada se passava. As mulheres, quando apareciam, pareciam já tomadas. É claro que João ocupava o tempo a ler e a escrever, sobretudo na confeitaria "Motina", onde não havia televisão, e cujo gerente viria a suicidar-se. Há muito que João havia abandonado as ideias de suicídio, sentia-se pleno de auto-estima, com as revoltas anti-capitalistas no país e no mundo e também com o ritmo da sua escrita, com os livros publicados e a publicar. Na esplanada da confeitaria "Ni", que tinha uma empregada linda com uma voz muito doce, joão olhava as àrvores e sentia o vento de outubro, desejoso de uma mulher para fecundar. Era o poeta à mesa, o Peter Owne que ele desenhava aos 15 anos, o poeta beat das barbas. Lembrou-se do Carlos Pinto, o antigo gerente do Púcaros, que foi um exemplo de camaradagem, afectividade e de busca do verdadeiro socialismo. "Aqui, no Púcaros, não há classes", proclamava. João cresceu com essas noites de poesia, onde a palavra se inflamava sem censuras. Conheceu grandes ovações, pessoas que o vinham felicitar no fim da performance mas também recepções frias, fracassos. Contudo, não há dúvida, tornou-se um animal de palco. Agora queria mesmo uma mulher para fecundar, para criar o homem novo, fora da máquina. João acreditava no super-homem de Nietzsche. Pensava que ele só poderia vir dos artistas, dos verdadeiros criadores. E ele era, naturalmente, um deles. Quão distantes pareciam os tempos da depressão. Agora todo ele era tempestade, brilho, fogueira. Até esquecia o tédio da aldeia. Começava ali um novo ciclo, um novo mundo, um novo paradigma.

Saturday, October 22, 2011

LIVROS COM RUM


Esta semana recebemos António Pedro Ribeiro. Fundamentalmente Poeta, mas não só. É autor do livro de crónicas e textos filosóficos "Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os Mercados e Outras Conversas" (World Art Friends, 2011) e dos livros de poesia "Um Poeta no Piolho" (Corpos, 2009), "Queimai o Dinheiro" (Corpos, 2009), "Saloon" (Edições Mortas, 2007), "Um Poeta a Mijar" (Corpos, 2007), "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro" (Objecto Cardíaco, 2006), "Sexo, Noitadas e Rock n' Roll" (Pirata, 2004), "Á Mesa do Homem Só" (Silêncio da Gaveta, 2001) e "Gritos. Murmúrios" (com Rui Soares, Grémio Lusíada, Braga, 1988). É fundador da revista literária "Aguasfurtadas". Tem publicado em diversas revistas e colectâneas como "Piolho", "Portuguesia", "Da Gaveta", "Bíblia", entre outras.

RÁDIO UNIVERSITÁRIA DO MINHO

DEMONÍACO


Nunca me vieram as personagens à cabeça. Nunca consegui escrever uma estória. Mas há algo em mim, uma pulsão primordial que me empurra para a escrita. Não tenho dúvidas de que escrevo melhor do que alguns a quem chamam consagrados. Há em mim torrenters, fogos, escrevo com a loucura. Sou um escritor demoníaco. Não é apenas o estar à mesa e escrever. É a paixão da escrita. As palavras explodem. É uma experiência mediúnica. Às vezes tenho visões. Vejo o além-Deus. É muito mais do que contar uma estória. É muito mais do que vender livros. É dizer o que há muito não é dito. É viver e sofrer com a criação as dores do parto. É celebrar o milagre da vida. Sim, recupero o fôlego de segunda-feira. Todo eu sou vertigem. Não aceito que governos e patrões a abolir o meu eu. Amo verdadeiramente a terra. Voo. Tenho asas. Atingo as alturas. Não me atires televisões. Esta é a minha hora. Tenho o sangue sagrado.

Friday, October 21, 2011

DO NOVO HOMEM


Não suporto mais estes políticos e economistas que nos atiram para a barbárie. Não suporto mais os discursos deles. Não acredito neles. Acredito, sim, no renascimento intelectual de alguns homens. Acredito que poderá nascer um novo homem sobre a terra. Apesar de tudo. Apesar de tudo empurrar para a competição, para a ganância, Não sou desse mundo. Canto a canção do homem livre, da Criação. Sou este que vedes agora. Raramente tenho ocupações remuneradas. Sou o poeta. Assim me tratam. Posso não estar completamente solto mas prossigo viagem. Escrevo as palavras da loucura. Vivo. Olho as miúdas. Assisto à ruína do país. Uma multidão sai do Alberto Sampaio. Não tenho horários a cumprir.

MARIA


Hoje fui acariciar a Gotucha à cama. Nunca deixam ficar bem aquela menina. A gaja do beijo na boca apareceu no café. Se ela soubesse...de qualquer forma, escrevo. Se não escrevesse não seria o mesmo. Dedico-me à escrita. É a minha missão. Dizem que sou o único poeta a escrever nos cafés. De qualquer modo, o café sabe bem na boca. E desenvolve o intelecto. Também eu combato os meus demónios. Há dias em que eles sobem à cabeça. Que tomam conta de mim. Que me infernizam a vida. Agora estou mais sereno. Enviei o poema de amor à Maria e não sei a reacção dela. A Maria é bonita e muito engraçada. E eu aqui a olhar para as liceais. Sou do mundo, sou do grande poema. Sou capaz da vertigem, da escrita vertiginosa. Regresso a mim mesmo. A gaja do beijo na boca vai embora. Tenho de voltar à escrita do "Á Mesa do Homem Só".

Tuesday, October 18, 2011

FALA COMIGO


Fala, fala comigo
conta-me tudo
diz-me quem és
por onde tens andado
o que fizeste na infância
celebra comigo
vamos noite fora
fala, fala comigo
somos loucos
conta-me os sonhos
vive
dá-te
és linda
vem
bebe comigo
vamos até ao fim
acredita
a mente abre-se-me
quero dar-te o trono
a minha glória
fala, fala comigo
não me abandones
bebe da taça
sê como és
um anjo na terra
fala, fala comigo
não receies seguir-me
em tempos caí
andei cabisbaixo
mas agora
sou aquele que era
que dança na pista
que vem do ouro
que faz a festa.

Sunday, October 16, 2011

A MISSÃO


A minha missão é, de facto, escrever. Estou aqui para isto. Não para fazer contas. Estudo. Avalio. Faço perguntas a mim mesmo. Não sou macaco. Sei ser amável e educado. É claro que, às vezes, não aguento e rebento. Torno-me arruaceiro, armo estrilhos. Incendeio. Mas seria capaz de ensinar as crianças. Seria mesmo. Já o fiz durante um mês em Lagos. Agora tento ser um filósofo. Penso que quase ninguém escreve ao ritmo a que eu o faço actualmente. E escrevo cada vez melhor. Nada tenho a ver com a conversa dos mentecaptos. Estuda-se na escola e depois abandona-se totalmente o estudo. Platão dizia que deveríamos estudar continuamente até aos 40/50 anos.
Já vi tanta coisa que quase nada me surpreende. Mas enfim, este pessoal lá vai falando e sub-vivendo. Não quer saber de manifestações. É só bola na tola.
A minha missão é escrever. Estou como o Lobo Antunes. Aprecio a conversa do homem, apesar de nunca ter lido um romance dele. Todavia, não há dúvida que estou com um nível de produção fantástico. Não é por mim que o país vai à falência. Eh!Eh! Era mesmo genial ocupar a "Casa dos Segredos". Fazer a revolução em directo na televisão. Ah!Ah!Ah! António Pedro, começa a chegar a tua hora. O PRL vai ser legalizado. A revolução começa a estar nas ruas. A missão é escrever e agitar. Sou um agitador profissional. É o que sou. Acredito cada vez mais. Tenho vários livros para publicar. Não posso morrer nos próximos anos. Tenho de estar aqui, vivo, no meu país. Não vou fugir. Tenho uma missão. Não paro de escrever. Obedeço ao além, aos reis do além. Estou em Jesus. Descendo dele.

FAROL


Regresso ao "Farol". O café da Sónia e a Sónia foram à vida. Emprestei-lhe livros, oferecia-lhe poemas, falava com ela. É pena. O "Farol", por sua vez, foi outro dos meus cafés dos 17/18/19 anos. Fica a marca. Estas memórias entravam bem no "Café Paraíso" mas agora já não dá. Estou condenado a olhar para as vedetas televisivas. Sorrisinhos. Ride-vos, ride-vos que os bancos estão a rebentar. Ride-vos, ride-vos, que o capitalismo vai acabar. Curiosamente agora falam de um filme sobre o "Uivo" de Allen Ginsberg. O caos está mesmo aqui. AH!Ah!Ah!Ah!Ah!Ah! Não há escapatória. O poeta não encontra ninguém para falar mas também não faz diferença: assim produz mais. Está fresco. Pede mais um café. Sem café o poeta não produz. Talvez comece a escrever sobre a composição e as características do café. Não há dúvida que aqui no "farol" é saboroso.

Friday, October 14, 2011

O POETA É UM INCENDIÁRIO


O POETA É UM INCENDIÁRIO



Os poetas, alguns poetas, são incendiários. São capazes de pegar fogo ao mundo. Quer através da palavra escrita, quer através da palavra dita. Aliás, na antiga Grécia, havia poetas que eram requisitados para animar as tropas para a guerra. O poeta, não o poeta lírico, não o poeta da corte, tem uma grande responsabilidade entre mãos. Pela palavra pode incendiar os que o lêem ou os que o ouvem, pode provocar a guerra ou a revolução. Não o esqueçamos. Além de médium, de mago, pode ser o incendiário. Há exemplos na História. A forma como certos poetas, certos bardos, acabam por influenciar muita gente. Não é nada de desprezível. Sobretudo nos tempos que vivemos, nos tempos de quase caos e barbárie. Não é necessário estar sempre a dizer: "Vem aí a revolução! Vamos todos para a rua!" Basta dizê-lo duas ou três vezes. O poeta dito maldito tem, de facto, uma missão, se calhar mais eficaz do que a dos partidos ou de outras organizações, a de acordar as pessoas, sobretudo os jovens. "We want the world and we want it now!", gritou Jim Morrison. "Merda para Deus!", como proclamou Rimbaud. "Nem Deus nem amos", berram os anarquistas. O poeta não está à venda, está cá para incendiar. O país e o mundo já ardem e o poeta deve atear ainda mais o incêndio. "Vamos pegar fogo à noite", ainda os Doors. Ao pegar fogo também a si próprio, ao incendiar-se, o poeta deve igualmente cantar a mulher, deve provocá-la, trazê-la para o fogo. O que não é fácil, porque se bem que a mulher seja selvagem, natural, ela também procura a segurança, o conforto, o sustento, o lar, a protecção de si e das crias. Mas o poeta, tal como Dionisos, deve ser capaz de arrastar consigo as bacantes. Deve amá-las. Não é como os outros. Provoca. Incendeia. Traz a luz. Rouba o fogo e a arte aos deuses, como Prometeu. O poeta é um incendiário.

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CAÇADORES DE PRÉMIOS

Há poetas e escritores que não vivem o que escrevem. Limitam-se a inventar personagens e estórias, a fazer ficção, não são realmente actores do seu drama, não vivem em si mesmos, não se expõem. Não vivem o fogo e a embriaguez, nunca desceram aos infernos, nunca viram Deus. Caçadores de prémios, artistas menores. Resumem-me a isso.

Primitivos. Ignorantes. Desconheceis tudo o que é grande, fugis dele a sete pés. Nunca tereis um pensamento sublime. Nunca atingireis Nietzsche, Holderlin, Shakespeare. Tudo quanto tendes é pequeno, medíocre. Sabe a contas, mexericos, servidão. Não mereceis sequer a liberdade. Limitai-vos a vegetar sem uma ideia própria, sem um demónio ou anjo que vos chame. Não mereceis sequer a vida.

Wednesday, October 12, 2011

WALL STREET


SEIS DA MANHÃ


São seis da manhã. Dói-me a cabeça. Estive a contar as estórias da minha vida. Estive a vivê-las nestas três horas de sono. Fui à "Filantrópica" à Póvoa falar com os putos e a chama começou a acender-se. Sabes como é. Começas a lembrar-te da infância e a mente abre-se. Há qualquer coisa que explode. As palavras surgem em catadupa. Torno-me o médium, o mago, aquele que interpreta. Dói-me a cabeça ainda. Dizem que a minha poesia é diferente das outras. É ácida, beatnick, sei lá. Talvez, como alguém disse, alguns poemas sejam quase pessoanos como a "Ilídia no Velvet". Mas dizem que ela é diferente. Talvez porque eu sou mesmo louco e procuro o que não há. O ouro perdido, o reino de aquém e de além. Sou esse poeta. O poeta que continua a ir aos bares e que faz a festa. O poeta que provoca as mulheres bonitas porque as quer dentro e fora do poema. O poeta que sabe ser insolente como o Joaquim Castro Caldas mas que se fecha em copas a escrever e a ler na mesa do canto. São seis da manhã e dói-me a cabeça.



INSULTAIS O ÁRBITRO



Insultais o árbitro
mas não insultais o grande papão
há manifs e detenções em Nova Iorque
no coração do império
olhai o vosso paraíso
olhai as pessoas felizes
no supermercado
olhai como dão vivas à vida
como saltam de alegria
olhai que as revoluções
não são só no Egipto e na Líbia
olhai o coração do império
olhai o império a cair
olhai Wall Street,
ó comentadores da bola
e do regime
falai de Wall Street
olhai a vitória do capitalismo
de pantanas
olhai a felicidade que fabricastes
olhai a treta do Obama
pois, Jesus está aqui
acreditemos nele
ó pregador de terceira
"Yes, We Can"
vendes banha da cobra
olhai a democracia global
a globalização redentora
ó benfeitores,
ó beneméritos,
olhai a felicidade dos dormitórios
olhai para as vossas conversas
maldizeis o Chávez e o Fidel
o comunismo acabou, ´não é?
O anarquismo não chegou a nascer.
Que tendes em casa?
A barbárie
o medo
a loucura
nunca mais comereis sossegados
as pilhagens estão aí à porta
the doors are open,
my friend
estou a falar do princípio
estou a falar dos homens livres
da idade do ouro
quando dançávamos
em redor da fogueira
quando celebrávamos o dia
e bebíamos até cair
não este tédio
não a lei de Wall Street
não uns a vigiar os outros
não todos a fingir
que estão vivos
não todos a fingir
que estão sãos
olhai o império a cair
falta pouco
a coisa está a explodir
na minha cabeça
não me faleis no Porto
não me faleis no Benfica
é a única conversa
que tendes?
Que o Porto joga às 8,15
que o Benfica ganhou ontem
olhai que as vossas conversas
vão ter que mudar
olhai que a vossa sanidade
está a dar o berro
olhai que a poesia
está a deixar de ser lírica
olhai que, aos 43,
finalmente dão-me razão
nem sequer preciso
de ir atrás dos partidos
nem sequer preciso
de ser de companhia
olhai como sou leve
como danço na pista
como sou verdadeiramente
um mago
não preciso de jogos
nem de resumos
não sou nenhum pateta atrasado mental
o Ronaldo foi mais para trás,
o Messi foi mais para a frente,
continuai
continuai assim
isto vai ser a doer
lembras-te de quando
querias que a noite
não acabasse mais?
Isso sim, era a vida
a vida na sua exuberância
não este corte
não esta corte
dos direitinhos
ides apanhar
com tudo nos cornos
Wall Street
vai rebentar.

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Thursday, October 06, 2011

A ARTE DE VIVER

A ARTE DE VIVER


A arte de viver, eis o essencial. Neste momento, não posso viver plenamente porque o olho esquerdo está vermelho e não o posso forçar. De qualquer modo, ainda posso expressar as minhas ideias e trocar impressões com os empregados do "Guarda-Sol". Expressar ideias, cultivar-se e trocar opiniões, eis três aspectos fundamentais da arte de viver. Não é apenas o activismo, é o facto de estar à mesa, beber um copo e trocar impressões. Ouvir os outros que mostram preocupação pela evolução catastrófica da sociedade, eis outro aspecto a ter em conta. Mas estaria sem dúvida melhor se pudesse ler à vontade a "Carta a Louis Pauwels sobre as Pessoas Inquietas..." de Paul Sérant. Porque também estou inquieto. Porque sou um homem que se preocupa com a sua felicidade e com a dos outros. Mas o mundo de hoje afasta a felicidade dos homens, da esmagadora maioria dos homens. Uns porque, como diz Nietzsche, apenas se dedicam à sobrevivência e ao sustento, outros porque são exigentes mas todos os dias são atacados pela máquina de propaganda capitalista. É difícil assim conduzir a arte de viver, a menos que nos tornemos loucos. Recomendo ainda assim o máximo de folia com amigos e amigas, o filosofar espontâneo, a convivência com os mestres e com aqueles que nos ensinam alguma coisa. Se o conseguirmos, já estaremos a desafiar a máquina de propaganda e a ditadura dos mercados e da linguagem da economia.





O APROFUNDAMENTO DO VIVO


Raoul Vaneigen tem razão. Temos de aprofundar o vivo em detrimento da economia. Nascemos para a vida. É ridículo passar a vida num emprego entediante, atrás de um salário que cada vez dá para menos. Nós viemos para o conhecimento, para o auto-conhecimento e para a bondade, não para o negócio. Temos de viver em função da vontade de viver, do viver por nós mesmos. Vaneigen abre-me a mente. A economia faz-se em função da redução, da austeridade, da poupança, da culpa, da mesquinhez, e contraria tudo o que é exuberante e grandioso. O capitalismo rouba-nos a infância, a juventude, a descoberta, a própria vida. "Nada mata mais uma pessoa do que contentar-se com sobreviver", diz Vaneigen. É da arte de viver que falamos. Da arte de gozar o instante, de o eternizar. Por isso, somos também poetas vadios. Construimo-nos na vida quotidiana. Às vezes, como agora, atingimos a criança sábia. às vezes parece que há anjos que nos tocam, que somos tocados pela beleza. Então amamos desesperadamente a vida, o milagre de estarmos aqui vivos. Não o cumprir um trabalho ou uma tarefa mas o estar aqui, sem castrações nem regras. É também o acto de dar a nossa arte ao mundo. A dádiva. Sem exigir quaisquer recompensas.

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