Saturday, September 24, 2011

TRANQUILIDADE


A tranquilidade
a gata branca
que sobe à mesa
e que vem ter
comigo
a Vita
para os animais
não há stress
nem pressa
somente o estar vivo
andar de um lado
para o outro
enquanto eu
como tostas
e os observo
antes que
a noite caia.

A DEPRESSÃO

A DEPRESSÃO

Sair de casa era um pesadelo naqueles dias. Jorge comprou o jornal e dirigiu-se a um café onde, à partida, não havia perigo de ser reconhecido. A leitura do jornal era a única forma de se ocupar, de afastar da mente aqueles pensamentos mórbidos obsessivos. Depois pegava no caderno mas as palavras que saíam eram sempre as mesmas. Estava ali no café, com o terror de que algum conhecido aparecesse. Se tal viesse a acontecer, Jorge não seria capaz de manter uma conversa, limitava-se a soltar monossílabos. Era a incomunicabilidade. Era incapaz de comunicar, mesmo com os seus melhores amigos, que evitava. Faltava às aulas da Faculdade. Os dias repetiam-se vazios, iguais. Passavam-se meses e o inferno da depressão sempre ali, não passava. Quando se deitava na cama pensava em dormir para nunca mais acordar. Outras vezes lembrava-se dos dias em que a palavra fluía, dos dias em que comunicava com os amigos,. em que tinha uma vontade e era capaz de proferir opiniões sobre as coisas. Como tudo isso parecia longínquo. Jorge pensava em desaparecer, em atirar-se da Ponte D. Luís mas nem forças para isso tinha. Tudo era negro. O próprio raciocínio tornou-se muito lento. Era como se vivesse morto.

O APROFUNDAMENTO DO VIVO


Raoul Vaneigen tem razão. Temos de aprofundar o vivo em detrimento da economia. Nascemos para a vida. É ridículo passar a vida num emprego entediante, atrás de um salário que cada vez dá para menos. Nós viemos para o conhecimento, para o auto-conhecimento e para a bondade, não para o negócio. Temos de viver em função da vontade de viver, do viver por ñós mesmos. Vaneigen abre-me a mente. A economia faz-se em função da redução, da austeridade, da poupança, da culpa, da mesquinhez, e contraria tudo o que é exuberante e grandioso. O capitalismo rouba-nos a infância, a juventude, a descoberta, a própria vida. "Nada mata mais uma pessoa do que contentar-se com sobreviver", diz Vaneigen. É da arte de viver que falasmos. Da arte de gozar o instante, de o eternizar. Por isso, somos também poetas vadios. Construimo-nos na vida quotidiana. Às vezes, como agora, atingimos a criança sábia. às vezes parece que há anjos que nos tocam, que somos tocados pela beleza. Então amamos desesperadamente a vida, o milagre de estarmos aqui vivos. Não o cumprir um trabalho ou uma tarefa mas o estar aqui, sem castrações nem regras. É também o acto de dar a nossa arte ao mundo. A dádiva. Sem exigir quaisquer recompensas.

Sunday, September 18, 2011

DO HOMEM LIVRE


DO HOMEM LIVRE


O homem nasce livre, da dádiva. Não nasce para comerciar, para usar a moeda. O homem nasce também para se construir, para procurar o conhecimento. Nasce também para pensar, para se questionar a si próprio, não para ser envenenado pelos media. O homem nasce para ir às profundezas de si mesmo, para criar, para ir de encontro à beleza. O homem é também o poeta, aquele que foi abençoado pelos deuses, entre os animais. O homem tem em si o céu e as estrelas. É capaz, ele próprio, de fazer nascer estrelas. Não pode reduzir-se ao macaco mercantil. O homem é divino. Capaz de obras magníficas. Não se pode reduzir ao cálculo, ao contar dos trocos. O homem nasce livre, não tem limites, atira-se de cabeça. O homem é o super-homem. Dança sobre o abismo. Rompe fronteiras. Descobre-se a si próprio. Ama. Gera.

www.jornalfraternizar.pt.vu

Saturday, September 17, 2011

POETA LOUCO


Poeta louco,
os céus chamam por ti
poeta louco,
bebeste com os versejadores
da corte
mas fartaste-te
da sua lira

és uno, és único
escolheste a dama branca
por isso és maldito
o rei não reconhecido
o amante da grande solidão.

Monday, September 12, 2011

DO PIOLHO

Tertúlia de poesia no café universitário do Porto
O emblemático café Piolho, inspiração de poetas portugueses
Publicado em 26 de Setembro de 2009
Jornal i

Um dos mais emblemáticos cafés da cidade do Porto, o Piolho, foi hoje palco de um encontro de poetas que, entre versos lidos, partilharam experiências e vivências daquele local onde um dia se inspiraram para escrever.

Fernando Morais, João Gesta, Rosa Alice Branco, João Habitualmente, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Teixeira Guedes, Alberto Miranda, José Soares Martins, Filipa Leal, Pedro Ribeiro, João Ulisses e Marta Bernardes juntaram-se hoje à mesma mesa para dissecar o espaço que este ano comemora o seu primeiro centenário.

“O Porto sem o piolho seria uma careca calva. O Piolho é maior que o Porto”, sublinhou o poeta João Habitualmente, para quem aquele espaço é dado mais “à conversa, ao fino e ao tremoço” que propriamente à poesia.

Um sentimento não partilhado pela maioria dos restantes convidados, muitos dos quais leram poemas que escreveram dentro das paredes espelhadas do agora centenário Piolho D’Ouro.

“O poeta está com sede [e] o mundo assim não avança”, leu Pedro Ribeiro, autor de um poema dedicado “à gaja da mesa do fundo”, escrito ali mesmo, no Piolho, no momento em que lhe “ia oferecer um poema” mas “a gaja” foi lá para fora: “que pena!”.

O café tornou-se assim “sala de estar, abrigo das investidas cobardes da polícia fascista e um espaço de fruição e liberdade” onde também se despertava para os primeiros amores, os “beijos ortopédicos e os charrinhos libertadores”, recordou o poeta João Gesta.

De palco de resistência a ponto de encontro, o café “é um lugar emblemático, de cultura e de construção do raciocínio e liberdade”, referiu Daniel Maia-Pinto Rodrigues. Talvez por isso, destacou Teixeira Guedes, “quem frequenta o piolho tem atitude poética”.

Mas o Piolho não é só feito de passados e tempos idos. A comprovar isso estiveram as poetisas Filipa Leal e Marta Bernardes, que contam estórias de presente, de cidades e memórias que a nova geração precisa de criar.

“Ser poeta é ter experiência do indizível e correr atrás do horizonte”, descreveu Marta Bernardes, 26 anos, que defende que “toda a arte encerra um verso” e que “Portugal é, sobretudo, um país de poetas”.

Já a professora e poetisa Rosa Alice Branco, para quem a vida sem Piolho “poderia ter sido muito triste”, acredita que em Portugal “há a mania que este é um País de poetas” e que “não se deve escrever se não houver coisas para dizer”.

Mas “os poetas não são portugueses, são de todo o mundo” frisou João Ulisses, que viu o café contribuir-lhe “um pouco para a cirrose” e para quem ser poeta “é estar contra tudo”.

O encontro de hoje esteve integrado nas comemorações do centenário do Piolho cuja organização tem sido levada a cabo pela Escola Artística Profissional Árvore e pelos responsáveis Raúl Simões Pinto e Sílvia Silva.

Sunday, September 04, 2011


Não, não concordo com o aventureirismo militante, com o voluntarismo que vai atrás de causas sectoriais perdidas. Penso o homem na sua globalidade. Penso a espécie humana em perigo, a essência do homem violentada. Por muito que venhais, com uma aparente serenidade, buscar o pão à confeitaria, por muito que vos agarreis ao sustento, sei que estais doentes. Muitos e muitas de entre vós estão mergulhados na depressão, no desejo da morte. Outros deixam-se bombardear diariamente pela máquina de propaganda do capitalismo dos mercados, via TV, via telejornais, via comentadores do regime. É isto que é preciso dizer, para lá da economia. O homem está em perigo. O homem está a destruir-se. É esta a mensagem que é preciso passar. E é preciso passá-la em todos os lugares. Procuramos o homem nobre, o homem livre. Aquele que odeia os comentadores e os telejornais. Aquele que insulta o homem pequeno, do sustento, que não vai atrás dele. Aquele que cai e se levanta. Aquele que afirma a verdadeira vida. Aquele que dança e ri.