Saturday, January 22, 2011

A REVOLUÇÃO DA TUNÍSIA E OS BLOGGERS


Continuação:
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Lina continuou a escrever sobre direitos humanos e censura. A comunidade de internautas que a seguia era cada vez maior, mas nada que a preparasse para o que viveu no último mês. A 17 de Dezembro, via Internet, chegava-lhe a notícia da imolação pelo fogo do jovem Mohamed Bouazizi, em protesto contra a corrupção da polícia municipal que o subornava para o deixar trabalhar. "Logo nessa noite eu quis ir para Sidi Bouzid, os meus amigos é que me aconselharam a esperar." Mas demorou pouco até Lina deixar Tunes. Primeiro parou em Sidi Bouzid, a pequena cidade do interior onde a contestação contra o regime do presidente Ben Ali começou; depois seguiu os protestos, onde quer que eles estivessem a acontecer. "Eu sabia que os jornalistas não iam cobrir o que estava a acontecer e que o regime ia tentar silenciar tudo. Por isso, fotografei, publiquei as fotos no Facebook, escrevi no Twitter", diz. "Vi pessoas simples fartas da repressão. Uma mãe que tinha sido atingida por duas balas sem sequer estar a protestar. Vi tunisinos a morrer às mãos de tunisinos. Pessoas que se juntavam para fazer um minuto de silêncio, coisas simbólicas; e a polícia a responder com matracas, bombas de gás lacrimogéneo, às vezes balas." De regresso à capital, instalou-se no quarto de um hotel no centro, dividindo o tempo entre as manifestações e o computador. "Queria documentar tudo. As greves dos advogados, os protestos dos artistas. Vi que estava a acontecer algo de diferente, mas ainda não tinha percebido bem que resultado ia ter."Na noite de 13 de Janeiro, Ben Ali fez um discurso ao país e a seguir a polícia dispersou à força os manifestantes e começou a atirar a matar.

Um movimento espontâneo

"Na manhã do dia 14 levantei-me triste. Tive medo por esta revolução, mas uns amigos vieram e convenceram-me a sair à rua", diz Lina. "Vi uma manifestação, mas não era realmente grande. Depois, começámos a andar na direcção da Avenida Bourguiba e percebi que de todas as ruas vinham pessoas, cada vez mais. Não consigo descrever o que senti. Toda a gente com a mesma energia, toda a gente a gritar "Basta". Em Sidi Bouzid tinha chorado de tristeza, mas nesse dia chorei de alegria", recorda.

Sadok encontrou a filha a 50 metros da sede da UGTT, a União Geral dos Trabalhadores Tunisinos, o sindicato único de que ele já fez parte. "Ela estava mesmo no início da manifestação. Fiquei muito comovido. Eu não pude participar em muitas manifestações na minha vida, a oposição que fiz foi como militante clandestino. E, de repente, a minha cidade fazia-me lembrar as revoluções da Europa de Leste, Portugal. Vi pessoas com filhos e netos, sem uma garrafa de água ou um pacote de bolachas, mas dispostas a permanecer ali de pé o dia todo, pela noite dentro. Era um movimento realmente espontâneo e essa foi a sua força."

Nesse dia, Ben Ali fugiu do país. E, apesar do recolher obrigatório e do estado de urgência decretados, ninguém arredou pé da rua. Lina e Sadok nunca mais se largaram. A jovem recusa expressões como "revolução Facebook" ou "Twitter" e prefere dizer que esta "é uma revolução do povo", não obstante o papel fundamental dos internautas na divulgação do que se estava a passar. "Se fôssemos só nós, esta teria sido uma revolução virtual." O pai agradece-lhe a coragem. "Eu fui ficando cansado. A Lina fala de 23 anos de repressão, mas para mim não foi só o Ben Ali, começou antes, eu vivi toda a minha vida sob ditadura. Aos poucos, convenci-me que recusar ser corrompido já era uma forma de resistência. A Lina e os jovens da idade dela deram-me uma lição de História. Perdemos o medo. Eu nunca tinha vivido História na minha vida."

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