Wednesday, October 13, 2010

DO HOMEM À MESA


DO HOMEM À MESA

Senta-se um homem à mesa para criar. As barbas já crescidas. O homem agora está parado mas já viveu filmes que os outros não viveram. Raramente vai ao cinema. O homem pensa. Pensa que o pensamento é tudo. Olha a mulher que balança as ancas. Pensa que a própria mulher é fruto do seu pensamento. Observa depois o céu e as nuvens. As rivalidades entre os três cafés da zona não lhe dizem respeito. Só escolheu este porque têm mais mulheres jovens. Elas são amáveis para com o homem. O homem tem uma doença. É a sua maldição mas também a sua bênção. Hoje sente um estranho contentamento. Não está eufórico. Sentou-se à mesa para criar. Às vezes cai em raciocínios primários mas não tanto como o homem comum. Sente necessidade de falar, de estar com companheiros e companheiras. Tira os óculos. A mulher jovem fala de hipocrisia. Este não é certamente o mundo que deseja. “Cada um vive no mundo que cria”, diz o outro. É um facto. Mas estão sempre a espetar-nos coisas. Quando o homem cai ficam muito poucos e muito poucas. Contudo, o próprio homem nem sempre foi verdadeiro, nem sempre foi um poço de virtudes. Ainda ontem negou a mulher louca. Foi atrás do espectáculo, da estrela, das conveniências. Não, o homem não é aquele que alguns pintam. Tem a sua maldade e precisa dela. Precisa dela para criar. No fundo, é um vaidoso, um cabotino. Sem isso não evolui, não cresce. Aliás, nunca foi o homem da lógica apesar de ser um homem de pensamento. Em várias ocasiões parecia que estava a seguir um caminho coerente, direitinho mas, de repente, há qualquer coisa que rebenta. Foi essa, tem sido essa, a história do homem. O homem do pensamento, desde criança. O homem do pensamento precisa do palco, da vaidade, da explosão. Não aguenta ficar sempre no pensamento. Mas precisa do pensamento em acção. Vive disso. Ouve as conversas. As que falam da vida, da amizade, da solidão. Da verdadeira vida. Ouve-as com toda a atenção.

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