Sunday, November 02, 2008

ARTAUD

Para Acabar com o julgamento de Deus
kré Tudo isso deverá puc te
kré ser arranjado puk te
pek muito precisamente li le
kre numa sucessão pec ti le
e fulminante kruk
pte
Fiquei sabendo ontem
(devo estar desatualizado ou então é apenas um boato, uma dessas intrigas divulgadas entre a pia e a privada, quando as refeições ingurgitadas são mais uma vez devidamente expulsas para a latrina)
fiquei sabendo ontem
de uma das mais sensacionais dentre essas práticas das escolas públicas americanas
sem dúvida daquelas responsáveis por esse país considerar-se na vanguarda do progresso.
Parece que, entre os exames e testes requeridos a uma criança que ingressa na escola pública, há o assim chamado teste do líquido seminal ou do esperma,
que consiste em recolher um pouco do esperma da criança recém-chegada para ser colocado numa proveta
e ficar à disposição para experimentos de inseminação artificial que posteriormente venham a ser feitos.
Pois cada vez mais os americanos sentem falta de braços e crianças ou seja, não de operários
mas de soldados
e eles querem a todo custo e por todos os meios possíveis fazer e produzir soldados
com vista a todas as guerras planetárias que poderão travar-se a seguir
e que pretendem demonstrar pela esmagadora virtude da força
a superioridade dos produtos americanos
e dos frutos do suor americano em todos os campos de atividade e
da superioridade do possível dinamismo da força.
Pois é necessário produzir,
é necessário, por todos os meios de atividade humana, substituir a natureza onde esta possa ser substituída,
é necessário abrir mais espaço para a inércia humana,
é necessário ocupar os operários
é necessário criar novos campos de atividade
onde finalmente será instaurado o reino de todos os falsos produtos manufaturados
todos os ignóbeis sucedâneos sintéticos
onde a maravilhosa natureza real não tem mais lugar
cedendo finalmente e vergonhosamente diante dos triunfantes produtos artificiais
onde o esperma de todas as usinas de fecundação artificial
operará milagres na produção de exércitos e navios de guerra.
Não haverá mais frutos, não haverá mais árvores, não haverá
mais plantas, farmacológicas ou não, e conseqüentemente não haverá mais alimentos,
só produtos sintéticos até dizer chega,
entre os vapores,
entre os humores especiais da atmosfera, em eixos especiais de atmosferas extraídas violentamente e sinteticamente da resistência de uma natureza que da guerra só conheceu o medo.
E viva a guerra, não é assim?
Pois é assim - não é? - que os americanos vão se preparando passo a passo para a guerra.
Para defender essa insensata manufatura da concorrência que não pode deixar de aparecer por todos os lados,
é preciso ter soldados, exércitos, aviões, encouraçados,
daí o esperma
no qual os governos americanos tiveram o descaramento de pensar.
Pois temos mais de um inimigo
que nos espreita, meu filho,
a nós, os capitalistas natos
e entre esses inimigos
a Rússia de Stalin
à qual também não faltam homens em armas.
Tudo isso está muito bem
mas eu não sabia que os americanos eram um povo tão belicoso.
Para guerrear é preciso, levar tiros
e embora tenha visto muitos americanos na guerra
eles sempre tiveram enormes exércitos de tanques, aviões, encouraçados, que lhes serviam de escudo.
Vi as máquinas combatendo muito
mas só infinitamente longe
lá atrás
vi os homens que as conduziam.
Diante desse povo que dá de comer aos seus cavalos, gado e burros as últimas toneladas de morfina autêntica que ainda restam, substituindo-a por produtos sintéticos feitos de fumaça,
prefiro o povo que come da própria terra o delírio do qual nasceram,
refiro-me aos Taraumaras
comendo o Peiote rente ao chão
à medida que nasce,
que matam o sol para instaurar o reino da noite negra
e que esmagam a cruz pra que os espaços do espaço nunca mais possam encontrar-se e cruzar-se.
E assim vocês irão ouvir a dança de TUTUGURI.
TUTUGURI
O Rito do Sol Negro
E lá embaixo, no pé da encosta amarga,
cruelmente desesperada do coração,
abre-se o círculo das seis cruzes
bem lá embaixo
como se incrustada na terra amarga,
desincrustada do imundo abraço da mãe
que baba.
A terra do carvão negro
é o único lugar úmido
nessa fenda de rocha.
O Rito é o novo sol passar através de sete pontos antes de explodir no orifício da terra.
Há seis homens,
um para cada sol
e um sétimo homem
que é o sol
cru
vestido de negro e carne viva.
Mas este sétimo homem
é um cavalo,
um cavalo com um homem conduzindo-o.
Mas é o cavalo
que é o sol
e não o homem.
No dilaceramento de um tambor e de uma trombeta longa,
estranha,
os seis homens
que estavam deitados
tombados no rés-do-chão,
brotaram um a um como girassóis,
não sóis
porém solos que giram,
lótus d'água,
e a cada um que brota
corresponde, cada vez mais sombria
e refreada
a batida do tambor
até que de repente chega a galope, a toda velocidade
o último sol,
o primeiro homem,
o cavalo negro com um
homem nu,
absolutamente nu
e virgem
em cima.
Depois de saltar, eles avançam em círculos crescentes
e o cavalo em carne viva empina-se
e corcoveia sem parar
na crista da rocha
até os seis homens
terem cercado
completamente
as seis cruzes.
Ora, o tom maior do Rito é precisamente
A ABOLIÇÃO DA CRUZ
Quando terminam de girar
arrancam
as cruzes do chão
e o homem nu
a cavalo
ergue
uma enorme ferradura
banhada no sangue de uma punhalada.
A BUSCA DA FECALIDADE
Onde cheira a merda
cheira a ser.
O homem podia muito bem não cagar,
não abrir a bolsa anal
mas preferiu cagar
assim como preferiu viver
em vez de aceitar viver morto.
Pois para não fazer cocô
teria que consentir em
não ser,
mas ele não foi capaz de se decidir a perder o ser,
ou seja, a morrer vivo.
Existe no ser
algo particularmente tentador para o homem
algo que vem a ser justamente
O COCÔ
(aqui rugido)
Para existir basta abandonar-se ao ser
mas para viver
é preciso ser alguém
e para ser alguém
é preciso ter um OSSO,
é preciso não ter medo de mostrar o osso
e arriscar-se a perder a carne.
O homem sempre preferiu a carne
à terra dos ossos.
Como só havia terra e madeira de ossos
ele viu-se obrigado a ganhar sua carne,
só havia ferro e fogo
e nenhuma merda
e o homem teve medo de perder a merda
ou antes desejou a merda
e para ela sacrificou o sangue.
Para ter merda,
ou seja, carne
onde só havia sangue
e um terreno baldio de ossos
onde não havia mais nada para ganhar
mas apenas algo para perder, a vida.
o reche modo
to edire
de za
tau dari
do padera coco
Então o homem recuou e fugiu.
E então os animais o devoraram.
Não foi uma violação,
ele prestou-se ao obsceno repasto.
Ele gostou disso
e também aprendeu
a agir como animal
e a comer seu rato
delicadamente.
E de onde vem essa sórdida abjeção?
Do fato de o mundo ainda não estar formado
ou de o homem ter apenas uma vaga idéia do que seja o mundo
querendo conservá-la eternamente?
Deve-se ao fato de o homem
ter um belo dia
detido
idéia do mundo.
Dois caminhos estavam diante dele:
o do infinito de fora,
o do ínfimo de dentro.
E ele escolheu o ínfimo de dentro
onde basta espremer o pâncreas,
a língua,
o ânus
ou a glande.
E deus, o próprio deus espremeu o movimento.
É deus um ser?
Se o for, é merda.
Se não o for,
não é.
Ora, ele não existe
a não ser como vazio que avança com todas as suas formas
cuja mais perfeita imagem
é o avanço de um incalculável número de piolhos.
?O Sr. está louco, Sr. Artaud? E então a missa??
Eu renego o batismo e a missa.
Não existe ato humano
no plano erótico interno
que seja mais pernicioso que a descida
do pretenso jesus-cristo
nos altares.
Ninguém me acredita
e posso ver o público dando de ombros
mas esse tal cristo é aquele que
diante do percevejo deus
aceitou viver sem corpo
quando uma multidão
descendo da cruz
à qual deus pensou tê-los pregado há muito tempo,
se rebelava
e armada com ferros,
sangue,
fogo e ossos
avançava desafiando o Invisível
para acabar com o JULGAMENTO DE DEUS.
CONCLUSÃO

1 comment:

Claudia Sousa Dias said...

Ainda voltarei a este texto para ler mais detalhadamente...

CSD