Wednesday, November 26, 2008

PROFESSORES: CLASSE REVOLUCIONÁRIA


OS PROFESSORES CONSTITUEM UMA CLASSE REVOLUCIONÁRIA


Os professores entram no metro na ressaca da manifestação. Os professores manifestam-se a toda a hora. As professoras boas excitam-me. A Gotucha também é professora, é boa e bonita e está na Madeira. Estou a ponderar juntar-me às manifestações dos professores. O sindicato até publicou um texto meu na revista. Ao menos os professores manifestam-se. Tudo o que for mau para o Sócrates é bom para mim. O Sócrates e a ministra da Educação estão do lado da morte, logo os professores estão do lado da vida, ou seja, do meu lado. A luta dos professores não é uma luta meramente sectorial ou corporativa, a luta dos professores é uma luta pela vida, pelas pulsões vitais, pela dignidade, contra a prepotência, pela verdade. Os professores constituem uma classe revolucionária. Especialmente as professoras boas e bonitas.

PARTIDO SURREALISTA SITUACIONISTA LIBERTÁRIO

Tuesday, November 25, 2008

O BANQUETE PERMANENTE


O BANQUETE PERMANENTE


E é a Nietzsche e a Morrison que volto sempre. É o rugido do leão: "Eu quero!" que me empurra para a vida. "Queremos o mundo e exigimo-lo, agora!". É este mundo que nós queremos, não o mundo do além das religiões. Queremos o céu na Terra, como dizia Henry Miller. Aqui e agora! Não podemos esperar pelo amanhã. É a pulsão vital que nos chama aqui e agora, não vamos esperar mais mil anos, não vamos esperar pelo amanhã que canta. Queremos a revolução, aqui e agora! Que se foda o futuro! Não somos seguidores dos economistas nem do ministro das Finanças que nos prometem dias melhores. Estamos fartos de promessas. Não podemos cair nas suas patranhas de profetas da morte. É o aqui e agora, é a vida aqui e agora que queremos. "Estamos fartos de esperar, cansados de tantos rodeios", cantou o Jim Morrison. Não seguimos ninguém mas também não queremos conduzir nem governar ninguém. Não precisamos de governos nem de Estados. Seguimos o caminho que conduz a nós mesmos, gostamos de vadiar, de andar sem direcção definida, de criar sem disciplina. Detestamos o rebanho, os que seguem um chefe, um Estado, uma lei, um mercado. Procuramos o super-homem, o menino, o bailarino, o deus que dança. Nada temos a ver com o quotidiano mesquinho e castrador do deus-dinheiro. Somos poetas, criadores, "caminheiros dos céus". Celebramos a vida, queremos que a vida seja um banquete permanente. Celebramos a mulher, a sensualidade, a volúpia, desconfiamos dos castradores, dos moralistas. Não somos moderados como os filósofos de Platão, não fomos feitos para governar nem para dirigir. Pregamos o amor mas também a raiva. Subimos ao palco como subimos à montanha. Comunicamos com os deuses e com os espíritos mas é este mundo que nós queremos.

Saturday, November 15, 2008

JIM MORRISON


E aí Jim, o que foi que você disse mesmo?


"Eu Sou o Rei Lagarto, Posso fazer Tudo"

"Sou um xamã que tem visões pela tribo e é capaz de curá-la"

"Queria checar os limites da realidade. Estava curioso em ver no que ia dar. Isso é tudo: apenas curiosidade"

"Cancele minha inscrição para a ressurreição, envie minhas credenciais para a casa de detenção, tenho muitos amigos lá"

"Tudo o que é desordem, revolta e caos me interessa; e particularmente as atividades que parecem não ter nenhum sentido. Talvez seja o caminho para a liberdade. A rebelião externa é o único modo de realizar a liberdade exterior"

"Precisamos de grandes e douradas copulações"

"Os filmes são coleções de fotos inanimadas que foram submetidas à inseminação artificial"

"Alguns nascem para o suave deleite, outros para os confins da noite"

"A única obscenidade que conheço é a violência"

"Amigos, sondem o labirinto"

"Quando os verdadeiros assassinos do rei recebem aval para circular livremente, mil magos surgem na terra"

"Somos conduzidos ao massacre por plácidos almirantes. Lerdos e obesos generais tornam-se obscenos pelo sangue jovem"

"Sou um homem de letras"

"Queremos o mundo e o queremos AGORA"

"Estão todos aí? A cerimônia vai começar..."




Webmaster: PABLO ALUÍSIO/Junho de 2000

AINDA NIETZSCHE

Ecce Homo

Sim, sei de onde venho!
Insatisfeito com a labareda
Ardo para me consumir.
Aquilo em que toco torna-se luz,
Carvão aquilo que abandono:
Sou certamente labareda.

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

NIETZSCHE


Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.

Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.
Friedrich Nietzsche

Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.
Friedrich Nietzsche

O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte.
Friedrich Nietzsche

As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem; mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável o concurso de uma pequena antipatia física.
Friedrich Nietzsche

Na vingança e no amor a mulher é mais bárbara do que o homem.
Friedrich Nietzsche

Torna-te aquilo que és.
Friedrich Nietzsche

As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras
Friedrich Nietzsche

O verdadeiro homem quer duas coisas: perigo e jogo. Por isso quer a mulher: o jogo mais perigoso.
Friedrich Nietzsche

O amor é o estado no qual os homens têm mais probabilidades de ver as coisas tal como elas não são.
Friedrich Nietzsche

Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.
Friedrich Nietzsche

É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação.
Friedrich Nietzsche

É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela.
Friedrich Nietzsche

A vida vai ficando cada vez mais dura perto do topo.
Friedrich Nietzsche

Sem a música, a vida seria um erro.
Friedrich Nietzsche

Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.
Friedrich Nietzsche

Não posso acreditar num Deus que quer ser louvado o tempo todo.
Friedrich Nietzsche

ASSIM FALAVA ZARATUSTRA


5. Em Assim Falou Zaratustra, no capítulo que abre o livro, "O prólogo de Zaratustra", Zaratustra, então com mais ou menos 30 anos de idade, isola-se do mundo e passa por um processo de autoconhecimento. Dez anos depois, por uma necessidade imperiosa de anunciar o que pensara nos dias de seu resguardo purificador, o personagem decide iniciar o seu ocaso. Ao descer de sua caverna na montanha para dirigir suas palavras aos citadinos, afirma-lhes em praça pública que o homem é algo que deve ser superado e promete-lhes em seguida ensinar a doutrina do super-homem. Assim proclama: “O super-homem é o sentido da terra. Fazei a vossa vontade dizer: ‘Que o super-homem seja o sentido da terra!’ ” (NIETZSCHE, 2006, p. 36). Zaratustra então pede aos seus ouvintes que permaneçam fiéis à terra e não acreditem em nada que seja exterior a ela. Em seus discursos, investe pesado contra os pregadores do cristianismo, os que prometem ganhos para além da terra, isto é, as bem-aventuranças no céu após a morte. Chama-os de envenenadores e desprezadores da vida, “dos quais a terra está cansada” (NIETZSCHE, 2006, p. 36). Um cansaço que, numa leitura crítica e atual, diz muito sobre o colapso que Gaia se vê em pleno século XXI. A terra está cansada não só das palavras vãs e enganadoras a que Nietzsche se referiu na voz de Zaratustra, mas principalmente do modelo técnico-científico a que está imposta, adoecendo para corresponder aos padrões dominadores que têm no consumo um fim em si mesmo. Essa é a delinqüência maior do homem, a de “atribuir mais valor às entranhas do imperscrutável do que ao sentido da terra” (NIETZSCHE, 2006, p. 36). Ir ao encontro do sentido da terra para Zaratustra significa caminhar na direção do super-homem, tão enigmático quanto a própria afirmação do que significa propriamente retomar o sentido da terra. Precisa-se perguntar: o que é o sentido da terra? A sua destruição progressiva através de processos irreversíveis de relacionamento com o real? Ou o respeito por sua própria dinâmica cósmica de estar conjugada com forças que escapam ao homem? Mas se for mesmo preciso retomar esse sentido, por onde começar? Se, no dizer de Zaratustra, era a alma que outrora olhava o corpo como desgrenhado e faminto, que alma é essa de agora que faz da terra um planeta arrasado? Na narrativa de Nietzsche, o super-homem surge como uma esperança num mundo onde não mais importam os melhores valores humanos, como a felicidade, a razão, a virtude, a justiça e a compaixão.

6. Zaratustra conclama a seus ouvintes que “o que há de grande no homem é ser uma ponte, e não meta: o que pode amar-se no homem, é uma transição e um ocaso” (NIETZSCHE, 2006, p. 38). Diz ainda: “Amo aqueles que, para o seu ocaso e sacrifício, não procuram, primeiro, um motivo atrás das estrelas, mas se sacrificam à terra, para que a terra, algum dia, se torne do super-homem” (NIETZSCHE, 2006, p. 38). O motivo atrás das estrelas corresponde na fala de Nietzsche à doutrina platônica das almas e seus desdobramentos neoplatônicos e cristãos. Curioso é que, atualmente, podemos ver que a busca desesperada de salvar a terra do desconforto da escassez de água faz com que cientistas de nossa época especulem cada vez mais sobre a existência desse líquido vital em outros planetas. Esse fato, que habita os noticiários de nosso tempo, nos informa sobre a busca de uma esperança de vida que esteja além da terra. Corresponde a uma insistência em ver a realidade, mesmo que a interplanetária, como mera disponibilidade de recursos a serem usados pelo homem. Fiel à terra, Zaratustra exalta aquele que a prepara para o super-homem e nela inventa o melhor modo de construir sua casa. Seu discurso é o do amor. Zaratustra ama as almas transbordantes e os corações livres. O homem, comparado a uma negra nuvem com suas pesadas gotas de chuva, é quem pode liberar o raio iluminador. Zaratustra se diz o prenunciador desse raio que se chama super-homem: “Já é tempo de o homem estabelecer a sua meta. Já é tempo de o homem plantar a semente da sua mais alta esperança. Seu solo ainda é bastante rico para isso. Mas algum dia, esse solo estará pobre e esgotado, e nenhuma árvore poderá mais crescer nele” (NIETZSCHE, 2006, p. 40).

7. Plantar uma semente é uma metáfora que une terra e homem. Unidos, serão férteis. Separados, permanecerão estéreis. Que é o homem sem o cultivar? Explorar a terra até o seu cansaço ou prepará-la para receber sua doação? Ambientalistas do mundo inteiro se vêem em meio a uma devastação generalizada. O homem se apequena. Os avisos soam como um ultimato. Será esse o último homem a que Zaratustra se refere? Sem ser levado a sério pelos homens, Zaratustra se recolhe ante à multidão e conclui que sua fala não é para ser dirigida ao povo. O curso de seus pensamentos é interrompido por uma série de eventos. Primeiro um morto cai a seus pés. Zaratustra elogia sua coragem, pois esse que morreu estava vivendo o perigo de seu ofício: o de andar equilibrado numa corda estendida num abismo. Zaratustra se vê diante de um cadáver que fora derrubado por um inimigo mortal, fantasiado de palhaço, e pressente os limites de sua missão. Quer falar aos vivos e não aos mortos. Sente que suas anunciações devem ser dirigidas apenas àqueles poucos que lhe derem os ouvidos e que queiram seguí-lo. Uma águia com uma serpente enrolada no pescoço então aparece para ele. São os animais de Zaratustra que, na sua simbologia, representam valores bastante preciosos para a sua jornada. A águia, sendo o animal mais altivo, e a serpente, o mais prudente. Zaratustra pede que os guie. Quer o impossível: a união da altivez com a prudência. Se a prudência por ora lhe abandonar, roga que essa seja substituída pela loucura. O super-homem é um mistério e o raio é como o claro enigma de Nietzsche. O pensador conjuga razão e loucura na voz altiva de Zaratustra. Assim falou Zaratustra: “Onde está o raio que vos lambe com sua língua? Onde, a loucura com que deveríeis ser vacinados? Vede, eu vos ensino o super-homem: porque ele é esse raio e essa loucura!” (NIETZSCHE, 2006, p. 38).

8. Martin Heidegger, entre os anos de 1936 e 1940, deu várias preleções na Universidade de Freiburg tendo como foco o pensamento de Friedrich Nietzsche. Nesses encontros, propôs uma confrontação com a obra nietzscheana. Confrontação para Heidegger é o mesmo que uma crítica autêntica. Repensar o que fora pensado anteriormente e perseguir o sentido das palavras proferidas em sua força e não em sua fraqueza é o que Heidegger entende como um libertar-se para a possibilidade de uma nova abertura. A preleção inicial é sobre A Vontade de Poder, cujo título não diz respeito apenas ao projeto de uma obra capital de Nietzsche, mas significa algo essencial em toda a trajetória do seu pensamento. Afirma Heidegger: “Como o nome para o caráter fundamental de todo ente, a expressão ‘vontade de poder’ dá uma resposta à pergunta sobre o que afinal é o ente. Desde sempre essa é a pergunta da filosofia” (HEIDEGGER, 2007, p. 6).

9. Heidegger destacou três pontos fundamentais na construção da obra filosófica de Nietzsche: o eterno retorno, a vontade de poder e a transvaloração de todos os valores. O pensador diz que em Nietzsche há o co-pertencimento intrínseco desses três pontos. A doutrina da vontade de poder se confunde com a doutrina do eterno retorno e essa unidade, historicamente, pode ser vista como o fator de transvaloração de todos os valores. A vontade de poder como resposta à pergunta diretriz da filosofia – o que é o ente – conjuga-se com a apreensão de Nietzsche a respeito do ser, tido no seu pensamento como devir. Escreveu Nietzsche: “cunhar para o devir o caráter do ser – essa é a mais elevada vontade de poder” (NIETZSCHE apud HEIDEGGER, 2007, ps. 19 e 20).

10. No ensaio "Quem é o Zaratustra de Nietzsche?", a partir de um trecho retirado do capítulo O convalescente, Heidegger reconhece no personagem um porta-voz da vida, da dor e do círculo. Vida é vontade de poder, com a dor que lhe acompanha. O círculo, de forma anelar, por sua vez, configura o eterno retorno do mesmo. Heidegger define numa proposição a essência de Zaratustra. O personagem é o porta-voz de “que todo real é vontade de poder que, enquanto criadora, padece e suporta a vontade que luta consigo mesma e assim se quer a si mesma no eterno retorno do igual” (HEIDEGGER, 2002, p. 89).

11. A vontade de poder, ao estar ligada à pergunta fundamental sobre o ser do ente, corresponde ao “pensamento mais pesado” da filosofia, que é o que a ergue e a destrói. O eterno retorno remete à eternidade e ao instante que essa pergunta se dá. Escreveu Heidegger:

"Eternidade não como um agora estático, nem tampouco como uma seqüência de agoras que se desenrolam até o infinito, mas como um agora que rebate em si mesmo: o que é isso senão a essência velada do tempo? Pensar o ser, a vontade de poder, como eterno retorno, pensar o pensamento mais pesado da filosofia significa pensar o ser como tempo. Nietzsche pensou esse pensamento" (HEIDEGGER, 2007, p. 20).


12. Como se co-pertencem o super-homem e o eterno retorno do mesmo? Sobre o eterno retorno, o “pensamento mais abissal” de Nietzsche, Heidegger, em uma preleção intitulada "Nota sobre o eterno retorno do igual", ressalta que seu entendimento permanece enigmático. O pensador aponta dois caminhos evasivos de compreensão. O primeiro é que o eterno retorno seria uma espécie de mística; no segundo, o eterno retorno seria uma representação já há muito difundida na história do pensamento ocidental. Heidegger diz que o que está a ser pensado a partir do eterno retorno se vela para a metafísica. O pensador relaciona o enigma de Nietzsche com a essência da técnica moderna, atualizando-o, e formula a pergunta: “O que é a essência da máquina moderna senão uma variação do eterno retorno do igual?” (HEIDEGGER, 2002, p. 109).


BIBLIOGRAFIA


HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Tradução de Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. 2006.
--------------------------- Ensaios e Conferências. Traduções de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002.
--------------------------- Nietzsche – Vol. 1. Tradução de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
MACHADO, Roberto. Zaratustra – tragédia nietzschiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra – Um livro para todos e para ninguém. Tradução de Mário da Silva. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006.
----------------------------- Ecce Homo – Como alguém se torna o que é. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.


Postado por André Vinícius Pessôa às 12:40
http://andreviniciuspessoa.blogspot.com

Friday, November 14, 2008

MICHAEL ONFRAY


Uma escola libertária e elitista para todos


Entrevista com o filósofo Michel Onfray


Demissionário do sistema de educação do Ministério da Educação Nacional francês, o filósofo Michel Onfray decidiu fundar, entretanto, a Universidade popular de Caen, como forma de criar um novo Jardim de Epicuro, mas fora das paredes, lançando as bases para uma autêntica «comunidade filosófica» contra o mercantilismo dos saberes.

Nesta entrevista Michel Onfray defende o poder emancipador da pedagogia libertária.

A miséria social e moral das nossas sociedades impõe a necessidade de ensinar a todos um saber alternativo e crítico, até porque muitos intelectuais deixaram de se preocupar em tornar popular, o saber filosófico.

Le Monde de L’Éducation - Na sua obra «La Communauté philosophique» (Galilée, 2004) você escreve que «o pedagogo libertário trabalha para o seu apagamento pessoal, e cultiva o poder interrogativo de toda a subjectividade». Porque é que este poder se encontra esgotado no aparelho escolar, quando ainda existem certos professores que conseguem despertar e responder ao desejo de saber dos alunos?

Michel Onfray - A instituição escolar é esquizofrénica: ela tem um discurso, mas leva a cabo uma prática nos antípodas daquele discurso. O discurso é este: a escola forma a inteligência, constrói indivíduos cultivados cujo saber lhes permitiria desenvolver juízos esclarecidos, ensina a ler, a escrever, a fazer contas, a pensar, ela formaria o cidadão ao educá-lo para a liberdade. Mas, a verdade, é que na prática ela negligencia a inteligência para privilegiar o exercício da memória e da repetição calibrado em função de um programa feito para isso. A educação nacional ensina sobretudo a submissão, a docilidade, a hipocrisia, o artificial. Só assim se pode explicar que num curso de 7 anos de inglês se consiga fazer tão poucos jovens bilingues. O que é que se aprende durante aquelas intermináveis horas de aprendizagem de línguas senão a arte de bem funcionar dentro da máquina que permita a passagem para o ensino superior, e a produção de diplomas úteis para o mundo da integração social.

Le Monde de L’Éducation - Qual é a genealogia dessa pedagogia libertária que você defende? Estaria no prosseguimento de uma linha que vai de Epicuro a Freinet?

Michel Onfray - Se o termo libertário significar «o que educa a liberdade», ou «o que faz da liberdade o bem supremo», sem dúvida, que poderíamos começar com Sócrates e a sua maiêutica, a sua arte de desenvolver as potencialidades de cada qual e torná-las em realidades tangíveis, podemos depois continuar com Diógenes e os filósofos cínicos que usam um bastão para mandar embora os que procuram um mestre e a submissão. Prosseguimos com Erasmo, o grande e imenso Erasmo, e, certamente, Montaigne, que tanto lhe deve, para falar de várias matérias, como a Educação e tantas outras. Passamos depois para Nietzsche que ensina que um bom mestre é aquele que aprende aquilo que se desprende de si. Seria preciso ainda de falar , com certeza, dos autores libertários, que a história conheceu, como Max Stirner e o seu «Falso Princípio da Nossa Educação», Sébastien Faure, que aplicou o seu método em La Ruche, mas ainda A.S. Neill e os seus « Jovens livres de Summerhill» que me fizeram desejar tornar-me professor antes de me desiludir na Escola Superior de Educação. Seria ainda preciso acrescentar o excelente livro «Advertência aos estudantes e liceais» de Raoul Vaneigem.


Le Monde de L’Éducation - Uma certa concepção da pedagogia libertária - nomeadamente a que defende a espontaneidade do aluno - não fará o jogo do «novo espírito do capitalismo» que pretende apoiar a participação dos «actores»? Não contribuirá ela para o idiota útil do «neoliberalismo»?

Michel Onfray - Tem razão…Eu sou um ardente defensor de Maio de 68 e do espírito de Maio, que se definia por uma revolução metafísica anti-autoritária. Os dominados punham em causa os dominantes. Os pares tradicionais - mulheres/homens, jovens/velhos, empregados/patrões, esposas/maridos - deixaram de ter um estatuto divino. E tudo isso foi uma coisa boa. Mas à negação dos velhos valores não se seguiu uma positividade. Destruir é bom se, e somente se, propusermos a seguir uma reconstrução. Os valores libertários, por exemplo, mereceriam mais que os simples elogios da indolência, da espontaneidade, do natural, do porreirismo generalizado por via da desvalorização do rigor que se mostrou tão pouco democrático quanto demagógico. Porque esta renúncia à memória, ao esforço, ao trabalho, à cronologia, e todas essas categorias consideradas reaccionárias fizeram efectivamente o jogo do poder, que prefere ter um rebanho de inculto embrutecidos que indivíduos apetrechados com o saber e a cultura. A pedagogia libertária não é a pedagogia liberal pós-anos 60 que deixa o jovem livre na turma, e que dá plenos poderes à competição entre classes sociais, e que é, ela própria, geradora de reprodução social…

Le Monde de l’éducation - «Passamos de um ensino autoritário a um ensino clientelar», escreve Raoul Vaneigem num texto recente sob o título «Modeste propositions aux grévistes» ( Verticales,2004). «O endoutrinamento suscitava, ao menos, a revolta, a propaganda estimulava o seu oposto, o desejo de pensar de outra forma.O feiticismo do dinheiro enfraqueceu o pensamento que ruge e incomoda.» Concorda com esta análise?

Michel Onfray - Vaneigem é um amigo que me estimula - ele acaba por me ultrapassar pela esquerda! - mas não partilho o seu optimismo que está, de resto, na génese do seu radicalismo político: no meu entender, a autoridade produz uma submissão massiva, pois o medo, o temor e o desejo de servidão voluntária são grandes. A revolta não é gerada pela ditadura - se assim fosse, seria preciso desejarmos a ditadura enquanto momento dialéctico das revoltas lógicas… - mas por temperamentos rebeldes, revoltados, insubmissos gerados por razões existenciais que só uma psicanálise à maneira sartriana - descobrir o projecto original - permitiria compreender. Conheci períodos da minha vida - nomeadamente os 7 anos de pensionato, 4 dos quais no orfanato dos salesianos - que fizeram de mim aquilo que sou hoje, mas que também fizeram uma multidão de indivíduos castrados da vida e orgulhosos de o ser. Uma mesma causa não produz felizmente os mesmos efeitos em todos nós. É preciso levar em consideração o prazer de estar submetido, tal como existe com tantas pessoas…

Le Monde de L’éducation - É procurando retomar o que há de melhor nos cafés-filosóficos e nas Universidades ( a liberdade dos primeiros e a seriedade da segunda), ao mesmo tempo que rejeita o que há de pior em cada qual (o extavasamento de um lado e a securra do outro), que você decidiu fundar a Universidade Popular de Caen. Mas também com o objectivo de retomar e prosseguir o ideal nascido no tempo da questão Dreyfus. Em que medida é ela um meio de lutar contra a situação de crise por que a França atravessa: miséria social, racismo, bloqueios nacionais-populistas, etc?


Michel Onfray - O saber é um poder. Posto isto, é preciso um saber específico susceptível de permitir a libertação e não a alienação.A filosofia não é de facto um instrumento de libertação: ensinar as ideias platónicas, falar da Cidade de Deus de S. Agostinho, das teses tomistas, da aposta de Pascal, do ocasionalismo de Malebranche, da angústia de Kierkegaard e de tantas outras matérias da história da filosofia ajudam mais a manter o poder instalado e permitir o domínio do cristianismo do que a emancipar o aprendiz em filosofia…Daí o interesse em ensinar quer um saber alternativo, quer um saber clássico, mas de maneira alternativa, isto é, crítica. A subversão cínica, o hedonismo cirenaico, a libertação epicurista, a alegria gnóstica, só para ficar na Antiguidade, são ilustrações de saberes alternativos; ou então, falar dos saberes clássicos mas de maneira alternativa: mostrar que o conceito erróneo de pré-socrático, desvalorizando o predecessores socráticos, pressupõe uma escrita platónica da história da filosofia, explicar as razões da evicção do materialismo de Demócrito( cuja obra completa Platão queria queimar em auto-da-fé…). Estes saberes permitem construir uma inteligência crítica, mas também realizar um trabalho sobre outras matérias, nomeadamente as que estão associadas a essa crise que referiu.


Le Monde de l’éducation - Você costuma recordar que intelectuais como Alain, Péguy, Bergson e tantos outros, frequentaram e animaram cursos de educação popular, lançados pelo tipógrafo anarquista Georges Deherme. Os intelectuais dos anos 2000 esqueceram o seu papel de educadores e a ideia de tornar popular, a filosofia?

Michel Onfray - A nossa época mediática produziu dois tipos de intelectuais: o primeiro especializou-se na miséria limpa, uma miséria longínqua que permita uma postura declamatória à maneira teatral, reproduzida logo de imediato pelos media. Tendente a ser mediatizada, e não precisando de nenhum outro compromisso que não seja o verbo, a carta postal ou a consulta de um livro, ela permite tocar o trompete dos grandes princípios maiúsculos: a Humanidade, a Liberdade, os Direitos do Homem, etc. O segundo ocupa-se antes da miséria suja, a que envolve os explorados, os operários, os miseráveis e os excluídos do sistema, as vítimas e outros dejectos do liberalismo, a ideologia defendida pela maior parte dos primeiros. Os intelectuais dos anos 2000 não cuidam da educação popular nem de tornar popular a filosofia: o seu saber é utilizado para fins financeiros, traduzíveis em moedas reais ou simbólicas, mas nunca com o objectivo de uma crítica social.

Le Monde de L’Éducation - Um curso magistral pode ser libertário?

Michel Onfray - Sim, se o magistério do curso magistral for aquele que indiquei ainda há pouco: um mestre libertário que cuida antes de tudo em cartografar e de identificar o conjunto das situações que estão em jogo, fornecendo depois um bússola e o seu modo de emprego, isto é, convidar cada qual a fazer a sua própria viagem.

Le Monde de l’éducation - A Universidade popular histórica acabou por desaparecer antes da Primeira Guerra Mundial em razão de causas e desinteligências internas. A Universidade popular tem tido um grande sucesso. Como evitar os perigos?

Michel Onfray - A Universidade popular é um organismo vivo e, como tal, mortal. Os três anos da sua existência já permitem identificar alguns vírus, erros e ataques. Tudo normal…A Universidade popular tem tido efectivamente um grande sucesso público e popular, gerou uma verdadeira energia alternativa, propõe um intelectual colectivo - para usar a fórmula de Bourdieu - eficaz, que logo perturba e incomoda. É normal que a nossa aventura atraia invejas e revele os medíocres, os invejosos, e outras figuras de ressentimento que não existem e não vivem senão por, e para a destruição. Mas nós somos uma comunidade de amigos, no sentido epicurista, que vamos experimentando o verdadeiro poder da amizade epicurista. E, depois, sejamos nietzscheanos, o que não mata fortalece-nos. Para o resto, só o Deus das Universidades populares poderá dizer se a experiência desaparecerá - sim, porque ela sempre desaparecerá -, seja como vítima do síndroma do recém-nascido ou do catarro dos velhos, seja por suicídio próprio na flor da idade ou por um esgotamento centenário…

Le Monde de L’Éducation - Uma educação «elitista para todos». Esta fórmula do dramaturgo Antoine Vitez adaptada à educação mantém-se actual?

Michel Onfray - Mais actual do que nunca. Gosto mesmo do oximoro, uma figura de estilo que, associando dois termos aparentemente contraditórios, gera um sentido novo: universidade popular é realmente um oximoro espantoso! O elitismo para todos, também. Percebe-se que, para além da pura e simples justaposição verbal, para além do simples jogo de palavras, uma nova significação emerge à luz do dia. A expressão elitismo para todos supõe uma outra definição de cada uma dos termos; trata-se de dar o melhor ao maior número, porque o melhor existe, sem dúvida, mas normalmente só é dado aos melhores, pelos menos, aqueles que assim são qualificados pela máquina social. Quando é destinado a todos, ao maior número - é essa a minha definição de popular, e também a de Michelet - o elitismo brilha com outra clareza, que muitos se têm esquecido, e que é a da luz do iluminismo.

(Tradução para português de Portugal da entrevista com Michel Onfray publicada no nº 338, Juillet-Août 2005 do Le Monde de L’Education)

Thursday, November 13, 2008

MANA CALÓRICA-PAREDES DE COURA


A canção "Paredes de Coura" da banda Mana Calórica já está disponível no Youtube em http://www.youtube.com/watch?v=EsQsHh6KMaQ. Os Mana Calórica são António Pedro Ribeiro (voz), Rui Costa (guitarra) e André Guerra (guitarra).
www.myspace.com/manacalorica

Tuesday, November 11, 2008

JIM MORRISON

Os concertos dos Doors eram na verdade, rituais. Morrison conhecia profundamente a filosofia de Nietzche e particularmente suas obras: A origem da tragédia e a cultura dos gregos, nas quais o autor postula o espírito dionisíaco em cujo delírio sagrado a natureza abre ao artista suas verdadeiras portas e lhe mostra a face real:

"A música mágica e a conjuração parecem ter sido a forma primitiva e origem de toda a poesia. O homem acostumou-se durante milênios com a conecção do idioma com o ritmo da música. O poder mágico da dicção rítmica tem sido paulatinamente esquecido. Distanciamo-nos cada vez mais da nossa origem. A canção mágica é uma conjuração aos demônios que parecem estar em atividade. A iniciação - cujos mestres foram segundo a mitologia, Orfeu, Musaeu, etc... era fundamentada pelos efeitos catárticos. As canções rituais relacionadas com os antigos mistérios eram vigorosas e entusiásticas."

(Nietzche - A cultura dos gregos)

"Da mesma forma que os coribantes possuídos pela febre da dança não realizam suas que evoluções no espaço, segundo uma clara consciência, os poetas líricos também engendram as mais belas poesias apenas quando a potência da harmonia e do ritmo 'baixa' sobre eles."

(Platão, em Ion)

Morrison havia particpado na UCLA de um grupo de teatro que seguia as diretrizes do teatro da crueldade do surrealista Antonin Artaud. A representação cênica foi revolucionada por este mestre que a concebia como um ritual orgástico, mágico e irrepetitível. Artaud, que nos anos 30 já experimentava peiote (cacto alucinógeno) entre os xamãs mexicanos, descreveu esse ritual no seu livro A Taraumara.

"O país dos índios Taraumara é repleto de misteriosos signos de formas esculpidas pela rocha viva sob o sol escaldante do deserto. Sob o efeito profundo do peyote, presenciei a tradição da Cabala, esta notável música dos números. A sagrada matemática oculta, na qual o caos material se rende totalmente a seus princípios. Uma matemática grandiosa que explica como a natureza engendra a gênese das formas. Nos maciços rochosos do deserto, distinguia, cristalinamente as estátuas esculpidas segundo a progressão numérica 3,4,7 e 8. As formas bizarras e barrocas dispunham-se sob um pedestal de granito formado por 3 sólidas rochas que se arrojavam em 12 pontas até as alturas. Os Taraumara repetiam estas séries em seus rituais e danças."

(Antonin Artaud)

Os alucinógenos sempre tiveram uma importância muito grande na formulação inicial do som dos Doors. Eram utilizados como catalisadores. Morrison seguiu ao pé da letra a máxima de Rimbaud: "Embriaguês sagrada: te afirmamos método!" ritualizando seus concertos, deixava-se levar pelas poderosas correntezas de Dionísio.

(Erycson Poltronieri e Andrei Simoes)

Saturday, November 08, 2008

DIONISO CONTRA O MERCADO


BPI:4,6% BES:1,9% BCP:0,4% EDP Renováveis: 9,07% EDP-2,2% Galp Energia: 2,02% PT: -1,54% Sonae Indústria:-2,58%
O que é que isso me interessa? Em que é que isso contribui para a minha felicidade? Estou dependente de percentagens, de números que nada me dizem? Serei eu próprio um número, uma percentagem? Sou apenas um item nas contas do OGE ou nem isso? Ao que nós chegamos! Até quando esta ditadura das estatísticas, dos economistas? Por que raio me hei-de submeter a coisas assexuadas? Não, recuso-me a ser reduzido à condição de investimento! Não estou à venda no mercado! Tenho asco à palavra "mercado"! Tudo o que vem da lógica do mercado é podre, mete nojo! Não me venham falar em mercado! Enquanto o mercado prevalecer o homem não será homem! Não sou um sabonete! Não me vou deixar vencer pelo império dos sabonetes! Merda! Olho para o Arlindo e tenho pena. Sempre agarrado à caixa registadora! Sempre agarrado à merda dos trocos! Sempre escravo do mercado! Foi para isto que nascemos? Foi para isto que tivemos a benção da vida? Que porra de vida é esta? Percentagens e mais percentagens! Sócrates era uma percentagem? Nietzsche era uma percentagem? Henry Miller era uma percentagem? Por que raio se há-de um gajo entregar à mera sobrevivência e dar umas risadas, de vez em quando, para disfarçar? Por que raio não se há-de gozar esta merda na sua plenitude, sem estar sempre a fazer contas? Passamos a vida a fazer contas, dos benefícios e custos disto e daquilo sempre com a calculadora na mão e na cabeça. Que porra de vida é esta? É isto a vida? Porque raio não vem Dioniso? A única coisa que nos excita são as mulheres mas elas, na maior parte das vezes, são inacessíveis. Que prazer, que bem nos traz esta merda? Foi para isto que nascemos? Vá lá que ainda há pessoas que nos admiram, que gostam de nós mas, de resto,...mais valia andar sempre bêbado, sempre anestesiado para a realidade mas nem tenho a merda do dinheiro para isso! Ou, por outro lado, antes enlouquecer de vez. Sei lá, fariam pouco de mim. Foi para isto que vim ao mundo? Leio e escrevo, vou-me aguentando. Mas vim ao mundo para aguentar, para sobreviver? Esta merda não vem nos panfletos, nos programas dos partidos políticos. Os partidos que se preocupavam com estas merdas deixaram de se preocupar. Os partidos têm uma linguagem rasteira, superficial, eleitoralista, não vão ao fundo das questões, não vão ao essencial. O essencial é o combate entre a Vida e a sobrevivência, entre Dioniso e o mercado. Talvez o amor, o amor autêntico possa salvar esta merda.

TERRORISMO CULTURAL

Sexta-feira, Março 23, 2007
O Decálogo do Terrorista Cultural (Timóteo Pinto Remix 2007)


1. O Terrorismo Cultural (doravante denominado também TC) tem por base a revolta contra a hipocrisia conservadora e contra o bem-pensantismo progressista. Mas o principal inimigo do TC é a indiferença. Chama-se "Terrorismo" porque, nos dias atuais, a atitude mais sã é adotar/adaptar os termos mais desprezados. Se George W. Bush elegeu "O terrorismo" como seu inimigo principal, e todos se sentem obrigados a condenar o terrorismo, então o TC proclama-se terrorista. Não se trata de terrorismo contra a vida das pessoas - um empreendimento estúpido e inútil, já que a maior parte das mortes não naturais são provocadas pelas instâncias que se proclamam antiterroristas: governos, empresas, igreja, nações... Trata-se de terrorismo cultural, no sentido antropológico e mais lato do termo: terrorismo contra as crenças, os valores, os hábitos e os projetos que as instituições que temos - e muitos dos parvos que as representam - defendem.

2. O Terrorismo Cultural aceita a contradição permanente. Ao contrário da dialética, que percorre o espectro direita-esquerda, o TC defende que as contradições não se resolvem. Nesse sentido, o TC está mais próximo de algumas filosofias orientais e de outras ditas "primitivas" que vêem a contradição como o elemento dinâmico constante da sociedade, sem outra resolução que não a sua repetição cíclica e infinita. Só não é uma filosofia oriental porque não tem paciência para orientalices babacas, nem para a forma como elas têm sido cooptadas por yuppies budistas de Los-Angeles e gente do new age. Só não é um elogio do primitivismo porque não tem paciência para intelectuais burgueses que se fascinam com as danças tribais no Discovery Channel e gastam uma fortuna em viagens naturalistas à Amazônia para serem picados por mosquitos.

3. O TC é um bricolage de influências. Nele pode encontrar-se um pedaço de tudo: um bom pedaço de Anarquismo Libertário, tanto na vertente socialista européia como na vertente liberal americana; um bom pedaço de Zen-Budismo, assim como um bom pedaço de Liberalismo; pedaços de Surrealismo, de Groucho-Marxismo, de Filosofia Pragmática, de Hedonismo, de Hihicronedismo, de Zenarquismo; sobretudo, o TC simpatiza instintivamente com o Cinismo Surrealista. (O bricolage do TC não tem nada a ver com o bricolage dos pós-modernos, pois o TC não tem paciência para os pós-modernos que cooptaram um certo potencial TC para o (des)conforto de universidades americanas freqüentadas por filhos de narcotraficantes ou para o small print de revistas crípticas publicadas na França). Aquilo que o TC não suporta é o elogio absoluto da racionalidade ou o elogio absoluto da emotividade; o primado da biologia ou o primado da cultura e da construção social; as pessoas que se armam em marginais ou as pessoas que se armam em sistêmicas. O bricolage e a contradição permanente são aliados natos na luta cínica pelo desmascaramento dos sistemas de ação e pensamento. São do mais realista que pode haver - sobretudo porque o TC não se preocupa com a utilidade.

4. A primeira virtude de um TC (que não se chama virtude, pois o TC não tem paciência para as virtudes, assim como não tem paciência para o imoralismo militante dos pensadores "marginais") é saber gozar consigo próprio e ter prazer nisso. Não é possível aterrorizar a cultura sem se usar a si próprio como exemplo de como as coisas realmente são: bricoladas, contraditórias, irresolúveis. O projeto de identidade pessoal dum TC é a ausência de projeto, pois este necessita sempre de um sistema de crenças coeso ou, no mínimo, da submissão a uma autoridade ou a um status quo proclamado pelo senso comum.

5. Esta coisa de "irresolúveis" merece uma explicação: será o TC um desesperançado? Acha ele ou ela que nada tem solução? Não é bem assim.
O TC abomina utopias, milenarismos, histerias de massa, populismos, demagogias, livros de auto-ajuda e outras formas de substitutos da religião - incluindo a religião em si. Está mais que visto que conduzem ao desastre: do "socialismo real", às guerras religiosas, passando pelas seitas em que todos acabam mortos. O TC tão-pouco acredita na ilusão de felicidade através do consumo promovida pelo capitalismo. O cinismo realista do TC desconfia das lavagens cerebrais, quer venham da direita quer da esquerda, do campo religioso ou do campo científico, do campo socialista ou do campo capitalista. Não quer isto dizer que o TC seja um hedonista ou um "desconectado". Os primeiros são uns tontos, porque não percebem que obtêm o seu prazer à custa de não questionarem o que lhes permite obterem-no; os segundos tontos são, porque escolhem hipocritamente aquilo em que participam e aquilo em que não participam (por exemplo, não votam porque "não participam nessa farsa", mas nunca falham a picar o ponto no emprego...).

6. O TC desconfia daqueles que dizem que fazem TC: artistas, comentadores e opinion makers, jovens em manifestações anti-globalização, e outras espécies. O TC desconfia também dos que dizem que eles são apenas diletantes ou pessoas que estão a passar por uma fase. O TC desconfia dos primeiros porque de fato acha que são diletantes ou estão a passar por uma fase. Mas desconfia dos segundos porque acha que eles não têm autoridade para emitirem aquele juízo: a sua opinião é o simples balbuciar das banalidades auto-satisfeitas do senso comum.

7. Tudo o que um TC disser está sujeito à revisão por outro TC e assim sucessivamente até ao infinito, numa discussão eterna, bricolada, contraditória, realista, cínica e humorada, desde que com isso ninguém deixe de almoçar, dormir, ir à praia, dizer a sua opinião e fazer qualquer coisa de criativo.

8. Um bom TC destruiria imediatamente este texto. Um bom TC não pode admitir a possibilidade de ajudar a criar um dogma, associação, movimento, escola, partido, tendência, seita, culto, lobby, grupo de ajuda e muito menos uma empresa.

9. Não existem bons TCs.

10. Não existe ponto 10: um TC não consegue resistir a escrever um Decálogo só com nove pontos.

O Decálogo do Terrorista Cultural - wodouvhaox remix

O Decálogo do Terrorista Cultural - Versão Original

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Tags: groucho-marxismo, Hedonismo, Liberalismo, Zen-Budismo, Zenarquismo

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Tuesday, November 04, 2008

TEIXEIRA DE PASCOAES

Embora o registo de nascimento mencione o dia 8 de Novembro, Pascoaes parece haver elegido o dia de hoje, 2 de Novembro, Dia de Finados, como dia simbólico para o seu nascimento, o nascimento de alguém saudoso do antes de haver nascido e em perene abertura para o outro mundo ou o trans-mundo, a dimensão invisível e ignota dos seres e das coisas. Republicamos aqui este curso ensaio em homenagem ao Director da revista "A Águia" e eminente poeta e pensador visionário, autor de uma obra vasta e abissal, ainda largamente desconhecida em Portugal e no mundo.

A Loucura de Pascoaes

Quando Abel Salazar publicou um sarcástico e jocoso artigo sobre a pretensa demência de Leonardo Coimbra e Pascoaes, estava decerto a uma distância infinita de compreender quão longe e perto passava da verdade no respeitante ao estranho génio do Marão. Num Ocidente e mesmo num planeta onde a loucura, expulsa do divino e do universo pela racionalidade teológico-filosófica dominante, foi progressivamente exorcizada do homem e confinada aos ghettos da patologia e da santidade, do irracional e do meta-racional - tão abusivamente contrapostos como confundidos - , a vida e obra de Pascoaes constitui uma sincera e desinibida assunção do que a aparentemente triunfante mediania excomungou como subversivo dos lugares comuns da cultura domesticada. Dramatizada em O Doido e a Morte, contemplada nos irónicos auto-retratos dos dois O Pobre Tolo, mas sempre emergente em motivos e lances capitais da obra poética e em prosa, Pascoaes não faz da "loucura" alegoria ou metáfora apenas duma absoluta Razão divina, ou seja, imagem nos limites humanos da Sabedoria e/ou Lei supremas que a tudo possibilitam, ordenam e justificam. Instaurando a irracionalidade no Princípio ou na Origem, quer na figura de um Deus imperfeito em si mesmo ou no acto criador, que neste a si e a toda a criação sepulta nos limites da realidade que lhe é possível, quer na de um delírio divino cuja paixão heteronímica igualmente o plurimorfiza num universo-casa de alienados de Si mesmo, mas que tornando-se Homem e pelo Homem expia a sua hybris maligna - o Satã que, mesmo-outro de Si, o fere na ordem do mundo real - , convertendo-se no Deus-Cristo, cósmico redentor da mínima forma de vida, mediante uma Loucura agora libertadora que incendeia as formas do possível realizado na trans-realidade do Impossível sempre Ausente, Pascoaes furta-se ao terreno onde se digladiam como irmãos gémeos do mesmo conformismo o optimismo e pessimismo, que nos asseguram ser este o melhor ou o pior dos mundos possíveis (Leibniz/Schopenhauer), para entrever na Loucura a potência de Liberdade e Criação que, excedente de qualquer Princípio, Fundamento, Razão ou Ordem ontológica, mesmo divinos, ambiguamente tanto possibilita toda e qualquer forma de determinação existencial como a sua infinita transcensão. Patente no excesso da imaginação sobre o ser e o real, da poesia sobre a ciência e a filosofia e nessa complexa síntese de memória e desejo criador, votada à transfiguradora superação de todo o existente, a que chamou Saudade, a Loucura, tal como Pascoaes a experimentou e traduziu em livros gritantes de singular experiência interior como Verbo Escuro, O Bailado, O Pobre Tolo e Duplo Passeio, sugere-se como o que antecede, possibilita e excede, redimindo-os e deles a tudo redimindo, o Deus criador e os Deuses revelados nos quais positiva e negativamente se fundam as religiões e ateísmos planetários. Não é assim desprezível que, na história da sua evolução espiritual e cósmica, a tenha assumido incarnada no delírio ibérico e predominantemente lusíada, simultaneamente quixotesco e saudoso, vindo o declínio e morte do sol apolíneo no elegíaco crepúsculo do finisterra oceânico a marcar o simbólico contraponto do seu advento helénico, constituindo-se a Grécia, como pátria da Razão, da Beleza e da Deusa, e a Lusitânia-Portugal, como pátria da Loucura, da Fealdade transcendente e da Bruxa, como os paradigmas e pólos mais significativos, antinómicos em sua mesma complementaridade, da história do Espírito, ante os quais tudo o mais se reduziria a vulgaridade: Europa, América e Indústria. Não esqueçamos o exagero como forma de sublinhar a verdade mais remota e dificilmente apreensível...

Se em Pascoaes aflora uma experiência da vida - de arcaico sabor popular e oriental - que poderíamos chamar carnavalesca, na qual realidade e ilusão, verdade e falsidade, se confundem num universo em que tudo só o é sendo simultaneamente o seu outro, o seu visionarismo abre sempre para um sentido de redenção universal pela conversão e potenciação extremas da energia do próprio delírio originário. Convertendo a messiânica busca de instauração terrena do Reino de Deus - emblemática da nossa cultura na mitogonia e hermenêutica quinto-imperial que procede de Gil Vicente e Camões para Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva - na tarefa de redimir o imperfeito Deus criador e criar um "novo Deus Infante", concebido no homem pelo ventre virginal da Saudade, ou de assumir no Deus anterior e posterior a tudo o "único ateu perfeito" - o que José Marinho considerou a sua mais profunda intuição - , Pascoaes é hoje, na transição da teologia para a teurgia e o "ateoteísmo" a-teológico, o mais genial e profundo dos nossos poetas metafísicos, o mais poderoso demiurgo da história secreta, onírica e mítica de Portugal e um dos mais desassossegantes desestabilizadores de consciências que visita este mundo de aborrecida gente razoável. Até ao momento ofuscado pelos modismos literários das vaidades urbanas e cosmopolitas, que, sentindo as armaduras intelectuais a romperem-se aos golpes do estro selvático, fizeram de Pessoa repasto dos academismos pessoanos, está por desvelar o fundo nexo entre as obras dos dois grandes poetas, apurando para além da diversidade formal a profundidade essencial das convergências e divergências. Decerto então surgirão um Pessoa e um Pascoaes que se acompanham e separam em muito mais e muito menos do que actualmente se crê, mas, justiça se faça, difícil será encontrar um grande tema pessoano - a começar pela denúncia da ficção da unidade e identidade do ego onto-psicológico - que não tenha sido antecipado e até excedido em profundidade, não em diáfana e perfeita expressão, pelo ?pobre tolo? do Marão, com a nítida vantagem de na poesia deste perpassar a vertigem do Infinito cósmico, graça concedida pelas rústicas Musas ao enamorado calcorreador de penedos e fragas e que as Tágides não lograram fazer romper através das densas paredes mentais dos quartos e cafés lisboetas...

in Paulo Borges, Pensamento Atlântico, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2002, pp.155-157.

Fonte: http://novaaguia.blogspot.com/2008/11/2-de-novembro-homenagem-teixeira-de.html

Sunday, November 02, 2008

ARTAUD

Para Acabar com o julgamento de Deus
kré Tudo isso deverá puc te
kré ser arranjado puk te
pek muito precisamente li le
kre numa sucessão pec ti le
e fulminante kruk
pte
Fiquei sabendo ontem
(devo estar desatualizado ou então é apenas um boato, uma dessas intrigas divulgadas entre a pia e a privada, quando as refeições ingurgitadas são mais uma vez devidamente expulsas para a latrina)
fiquei sabendo ontem
de uma das mais sensacionais dentre essas práticas das escolas públicas americanas
sem dúvida daquelas responsáveis por esse país considerar-se na vanguarda do progresso.
Parece que, entre os exames e testes requeridos a uma criança que ingressa na escola pública, há o assim chamado teste do líquido seminal ou do esperma,
que consiste em recolher um pouco do esperma da criança recém-chegada para ser colocado numa proveta
e ficar à disposição para experimentos de inseminação artificial que posteriormente venham a ser feitos.
Pois cada vez mais os americanos sentem falta de braços e crianças ou seja, não de operários
mas de soldados
e eles querem a todo custo e por todos os meios possíveis fazer e produzir soldados
com vista a todas as guerras planetárias que poderão travar-se a seguir
e que pretendem demonstrar pela esmagadora virtude da força
a superioridade dos produtos americanos
e dos frutos do suor americano em todos os campos de atividade e
da superioridade do possível dinamismo da força.
Pois é necessário produzir,
é necessário, por todos os meios de atividade humana, substituir a natureza onde esta possa ser substituída,
é necessário abrir mais espaço para a inércia humana,
é necessário ocupar os operários
é necessário criar novos campos de atividade
onde finalmente será instaurado o reino de todos os falsos produtos manufaturados
todos os ignóbeis sucedâneos sintéticos
onde a maravilhosa natureza real não tem mais lugar
cedendo finalmente e vergonhosamente diante dos triunfantes produtos artificiais
onde o esperma de todas as usinas de fecundação artificial
operará milagres na produção de exércitos e navios de guerra.
Não haverá mais frutos, não haverá mais árvores, não haverá
mais plantas, farmacológicas ou não, e conseqüentemente não haverá mais alimentos,
só produtos sintéticos até dizer chega,
entre os vapores,
entre os humores especiais da atmosfera, em eixos especiais de atmosferas extraídas violentamente e sinteticamente da resistência de uma natureza que da guerra só conheceu o medo.
E viva a guerra, não é assim?
Pois é assim - não é? - que os americanos vão se preparando passo a passo para a guerra.
Para defender essa insensata manufatura da concorrência que não pode deixar de aparecer por todos os lados,
é preciso ter soldados, exércitos, aviões, encouraçados,
daí o esperma
no qual os governos americanos tiveram o descaramento de pensar.
Pois temos mais de um inimigo
que nos espreita, meu filho,
a nós, os capitalistas natos
e entre esses inimigos
a Rússia de Stalin
à qual também não faltam homens em armas.
Tudo isso está muito bem
mas eu não sabia que os americanos eram um povo tão belicoso.
Para guerrear é preciso, levar tiros
e embora tenha visto muitos americanos na guerra
eles sempre tiveram enormes exércitos de tanques, aviões, encouraçados, que lhes serviam de escudo.
Vi as máquinas combatendo muito
mas só infinitamente longe
lá atrás
vi os homens que as conduziam.
Diante desse povo que dá de comer aos seus cavalos, gado e burros as últimas toneladas de morfina autêntica que ainda restam, substituindo-a por produtos sintéticos feitos de fumaça,
prefiro o povo que come da própria terra o delírio do qual nasceram,
refiro-me aos Taraumaras
comendo o Peiote rente ao chão
à medida que nasce,
que matam o sol para instaurar o reino da noite negra
e que esmagam a cruz pra que os espaços do espaço nunca mais possam encontrar-se e cruzar-se.
E assim vocês irão ouvir a dança de TUTUGURI.
TUTUGURI
O Rito do Sol Negro
E lá embaixo, no pé da encosta amarga,
cruelmente desesperada do coração,
abre-se o círculo das seis cruzes
bem lá embaixo
como se incrustada na terra amarga,
desincrustada do imundo abraço da mãe
que baba.
A terra do carvão negro
é o único lugar úmido
nessa fenda de rocha.
O Rito é o novo sol passar através de sete pontos antes de explodir no orifício da terra.
Há seis homens,
um para cada sol
e um sétimo homem
que é o sol
cru
vestido de negro e carne viva.
Mas este sétimo homem
é um cavalo,
um cavalo com um homem conduzindo-o.
Mas é o cavalo
que é o sol
e não o homem.
No dilaceramento de um tambor e de uma trombeta longa,
estranha,
os seis homens
que estavam deitados
tombados no rés-do-chão,
brotaram um a um como girassóis,
não sóis
porém solos que giram,
lótus d'água,
e a cada um que brota
corresponde, cada vez mais sombria
e refreada
a batida do tambor
até que de repente chega a galope, a toda velocidade
o último sol,
o primeiro homem,
o cavalo negro com um
homem nu,
absolutamente nu
e virgem
em cima.
Depois de saltar, eles avançam em círculos crescentes
e o cavalo em carne viva empina-se
e corcoveia sem parar
na crista da rocha
até os seis homens
terem cercado
completamente
as seis cruzes.
Ora, o tom maior do Rito é precisamente
A ABOLIÇÃO DA CRUZ
Quando terminam de girar
arrancam
as cruzes do chão
e o homem nu
a cavalo
ergue
uma enorme ferradura
banhada no sangue de uma punhalada.
A BUSCA DA FECALIDADE
Onde cheira a merda
cheira a ser.
O homem podia muito bem não cagar,
não abrir a bolsa anal
mas preferiu cagar
assim como preferiu viver
em vez de aceitar viver morto.
Pois para não fazer cocô
teria que consentir em
não ser,
mas ele não foi capaz de se decidir a perder o ser,
ou seja, a morrer vivo.
Existe no ser
algo particularmente tentador para o homem
algo que vem a ser justamente
O COCÔ
(aqui rugido)
Para existir basta abandonar-se ao ser
mas para viver
é preciso ser alguém
e para ser alguém
é preciso ter um OSSO,
é preciso não ter medo de mostrar o osso
e arriscar-se a perder a carne.
O homem sempre preferiu a carne
à terra dos ossos.
Como só havia terra e madeira de ossos
ele viu-se obrigado a ganhar sua carne,
só havia ferro e fogo
e nenhuma merda
e o homem teve medo de perder a merda
ou antes desejou a merda
e para ela sacrificou o sangue.
Para ter merda,
ou seja, carne
onde só havia sangue
e um terreno baldio de ossos
onde não havia mais nada para ganhar
mas apenas algo para perder, a vida.
o reche modo
to edire
de za
tau dari
do padera coco
Então o homem recuou e fugiu.
E então os animais o devoraram.
Não foi uma violação,
ele prestou-se ao obsceno repasto.
Ele gostou disso
e também aprendeu
a agir como animal
e a comer seu rato
delicadamente.
E de onde vem essa sórdida abjeção?
Do fato de o mundo ainda não estar formado
ou de o homem ter apenas uma vaga idéia do que seja o mundo
querendo conservá-la eternamente?
Deve-se ao fato de o homem
ter um belo dia
detido
idéia do mundo.
Dois caminhos estavam diante dele:
o do infinito de fora,
o do ínfimo de dentro.
E ele escolheu o ínfimo de dentro
onde basta espremer o pâncreas,
a língua,
o ânus
ou a glande.
E deus, o próprio deus espremeu o movimento.
É deus um ser?
Se o for, é merda.
Se não o for,
não é.
Ora, ele não existe
a não ser como vazio que avança com todas as suas formas
cuja mais perfeita imagem
é o avanço de um incalculável número de piolhos.
?O Sr. está louco, Sr. Artaud? E então a missa??
Eu renego o batismo e a missa.
Não existe ato humano
no plano erótico interno
que seja mais pernicioso que a descida
do pretenso jesus-cristo
nos altares.
Ninguém me acredita
e posso ver o público dando de ombros
mas esse tal cristo é aquele que
diante do percevejo deus
aceitou viver sem corpo
quando uma multidão
descendo da cruz
à qual deus pensou tê-los pregado há muito tempo,
se rebelava
e armada com ferros,
sangue,
fogo e ossos
avançava desafiando o Invisível
para acabar com o JULGAMENTO DE DEUS.
CONCLUSÃO

Saturday, November 01, 2008

ALENTO DA MUSA


Ubiquidade e “alento da musa”

A ideia de beleza, tal qual aqui a concebemos, não poderia ser concebida com o estudo da produção e percepção do belo? O não-representável? Como fazer que a beleza aflua à nossa arte (a partir da utopia negativa da cultura electrónica contemporânea)? É esse o problema. É à volta deste tema – a ubiquidade do belo – que parcialmente se contrói a “Aesthetica. Vejamos, porém, um pouco mais pormenorizadamente, como é que se faz uma revisão necessária do que foi e do que é a beleza. Esta atitude de quem se volta para a beleza já de si implica, sem dúvida alguma, o reconhecimento pela nossa parte do êxtase, da “fissura” ontológica, o “rasgão”, o “não-saber” que desnuda? Que vem, porém, a ser a beleza da poesia que se nos dá como arte verbal (“contra-discurso” transgressivo)? Poder-se-á assimilar a poesia ao duende e o aduendado de Garcia Lorca? Que supõe, porém, algo convincente, abrindo margem assim ao “sublimis”? Quem se dispõe à beleza alucinatória que não cessa? Ao “transe”? Platão afirmava que ninguém seria bom poeta sem o sopro da loucura (ekstasis). O termo ekstasis significa “saída de si próprio”. A poesia supõe a inspiração, uma inspiração do poeta por uma força divina – Musa ou Apolo – ou um “fora de si”. A beleza que vamos tratar aqui é aquela que “articula” e “requer” o “Alento da Musa” (para usar um título do poeta galego Alberte Momán). A palavra “musa” soa aos ouvidos com um imemorial acento grego, como um eco de Petrarca; evoca o “eterno-feminino”, que tem a virtude polarizadora de nos revelar a beleza e a plenitude da expressão. As musas trabalham para nos inspirarem. Ora, entre outras ficções, e como talvez a mais importante de todas, as musas são uma faceta inspiradora activa (colocam-nos, porém, diante das imagens inspiradoras que podemos encadear a manejar criativamente).