Wednesday, August 06, 2008

A VOZ DA PÓVOA


SECÇÃO: Cultura

Entrevista a Perfecto Cuadrado


Reabilitação do Quotidiano
Perfecto Cuadrado nasceu numa aldeia de Zamora, Espanha, em 1949. Catedrático de Filologias Galega e Portuguesa da Universidade Ilhas Baleares. Coordenador do Centro de Estudos do Surrealismo da Fundação Cupertino de Miranda, Vila Nova de Famalicão. Investigador, Ensaísta, Critico e Tradutor. Organizou várias antologias de poesia portuguesa, com destaque para os poetas surrealistas. Prémio de tradução Giovanni Pontiero, em 2004.


Voz da Póvoa – O que pensa da constante adulteração da palavra surrealismo?


Perfecto Cuadrado – Infelizmente, estamos num momento de progressiva degradação, banalização, corrupção e prostituição da linguagem. As palavras, como dizia Mallarmé, têm que ser recuperadas outra vez e devolvidas ao seu sentido puro. O termo surrealismo é usado alegremente, como se significasse gente maluca, coisas bizarras, disparates. É extraordinário, provavelmente poucas palavras chegaram a um nível de degradação tão profunda como esta do surrealismo.


V.P. – O que sugere como elemento de transformação e mudança?


P.C. – Convém declarar que o surrealismo é um movimento de vanguarda do século XX, com os seus poetas e artistas, as suas obras plásticas ou literárias. É uma proposta que pretende juntar a vida à arte. Mas por detrás de tudo isso, é uma proposta profunda de revolução social, ética e política. Isto é esquecido sempre. O termo surrealista deveria designar o mais alto nível do nosso desejo, dos nossos anseios de transformação positiva de reabilitação de vida quotidiana.


V.P. – Como explica o acaso e o objectivo no surrealismo?


P.C. – Para Breton, se formos pela vida com a curiosidade infinita da criança, do forasteiro, do poeta e, absolutamente disponíveis, o amor que procuramos, os objectos dos nossos mais íntimos desejos que passamos na vida, obrigatoriamente vão ter que se manifestar. Aí está o acaso. Por isso, tinha que me encontrar não só com o surrealismo, mas também com Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Risques Pereira, todos os surrealista portugueses, como me encontrei na vida com muita gente.


V.P. – A poesia pode estar no mais fundamental da vida quotidiana?


P.C. – Há uma antologia de poesia surrealista, em francês, com o título “as palavras fazem amor”. O poeta o que tem de conseguir é pôr a cama no melhor espaço e melhor ambiente para que as palavras façam amor. Este é o poeta que consegue criar o ambiente adequado para que nele, e através dele, as palavras cheguem a viver, a gozar e, a partir daí, procriar outras palavras maravilhosas, outras imagens, outro mundo.


V.P. – Qual é o objectivo do Centro de Estudos do Surrealismo?


P.C. – Com a promessa da construção do Centro de Surrealismo em Famalicão, o projecto passa por reunir, preservar e divulgar o surrealismo português. Entre doações e compras, temos mais de 2500 obras importantíssimas, uma biblioteca extraordinária, com manuscritos e obra inédita de vários autores, que queremos ver ampliada. A ideia é fazer de Famalicão uma espécie de foco, de radiação, de divulgação, de difusão e de internacionalização do surrealismo português.


V.P. – Investigador, crítico, tradutor, há algo mais em Perfecto Cuadrado?


P.C. – Estou integramente em tudo aquilo que faço. Estou naqueles que aprendi e apreendi muita coisa, dos que fiquei com parte deles e que também ficaram com parte na minha vida. O Perfecto Cuadrado de toda a vida continua a ser o mesmo. Pessoa absolutamente curiosa, fascinada e embriagada pela própria vida, sempre à procura de alguma coisa mais.

2 comments:

digitalscratcher said...

quem fez esta entrevista fantástica?
por favor publique o nome do entrevistador. ele é muito bom.
nem devia estar na voz da póvoa, devia ir para a colóquio artes.
louvo-lhe a modéstia do anónimato.
grande exemplo de humildade.

A. Pedro Ribeiro said...

o nome do entrevistador é José Peixoto, caro amigo.