Tuesday, July 08, 2008

POR UM OUTRO MUNDO


POR UM OUTRO BRASIL

Por Marcelo Salles, da redação - salles@fazendomedia.com

A globalização atual é perversa, fundada na tirania da informação e do dinheiro, na competitividade, na confusão dos espíritos e na violência estrutural, acarretando o desfalecimento da política feita pelo Estado e a imposição de uma política comandada pelas empresas.

Milton Santos, em "Por uma outra Globalização", Editora Record

Poucas vezes li uma síntese tão precisa sobre o atual estado de coisas. O geógrafo Milton Santos acerta em cheio quando coloca no centro da discussão a tirania da informação, termo que inclusive dá o título de um excelente livro de Ignácio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique. É no campo da subjetividade que o sistema capitalista se impõe e se enraíza. E a mídia é, hoje, a instituição com maior capacidade de produzir subjetividades, ou seja, de definir maneiras de agir, sentir, perceber e viver.

Sobre o estímulo constante à competitividade vale a pena consultar o escritor chileno Humberto Maturana e sua obra-prima "Emoções e linguagem na educação e na política" (Editora UFMG), onde mostra que um sistema cooperativo é infinitamente mais importante para a construção de uma sociedade harmônica do que um sistema competitivo, louvado dia e noite pelos ideólogos do capitalismo (um bom exemplo pode ser visto nas reportagens do tipo "hoje em dia não temos tempo para mais nada" ou "a correria do dia-a-dia não deixa tempo para nada, nem para ter filhos". Dizem isso sem revelar que, no fundo, o que se deu foi um aprofundamento da exploração capitalista, esse sim o motivo da falta de tempo, que não é falta de tempo, e sim a desvalorização do tempo de trabalho de cada um de nós).

Como resultado, temos espíritos confusos – ou alienados – submetidos a uma violência contínua e distribuída sob diversas formas, desde o assédio moral no trabalho até o caveirão na favela, passando pela brutalidade de grupos de extermínio e pelo extravio dos recursos naturais via empresas multinacionais, que no Brasil batem recordes atrás de recordes.

Como conseqüência, temos a destruição da política voltada para a maior parte do povo. Em seu lugar afirma-se o Estado voltado para garantir o lucro das empresas privadas a qualquer custo, e isso inclui o despejo violento de gente que se encontra em área de especulação imobiliária, preços abusivos de remédios (pouco importando se pessoas morrerão sem dinheiro para comprar a medicação) e a liberação de alimentos sabidamente cancerígenos sem qualquer aviso (como foi o caso dos cigarros durante anos) ou de alimentos ainda sem estudos definitivos, como o milho transgênico recém-liberado no Brasil.

Nesse sentido, aponta Milton Santos, o papel do intelectual é fundamental. No mundo de hoje, é o pensador livre quem poderá combater os ideólogos da morte. São os intelectuais orgânicos que poderão construir novos paradigmas e oferecer novas propostas, novos conhecimentos. Por isso o sistema capitalista esconde, demoniza ou captura todos aqueles que ousam enfrentá-lo. E o geógrafo deixa claro que as mudanças de que o país precisa virão de baixo.





Um intelectual, para Milton Santos, não precisa estar encastelado em sua Torre de Marfim, distante do povo. Ele pode estar na favela da Maré construindo uma casa flutuante com material reciclável, pode estar numa borracharia da Av. Brasil inventando peças que prolongam a vida útil dos carros em até dez anos, modelos que nem os engenheiros que criaram os veículos são capazes de compreender. Esses intelectuais podem também ser cantores e compositores de hip-hop e funk (no Rio muitos já foram cooptados pelo sistema), militantes de movimentos sociais e mesmo jornalistas alternativos, entre muitos outros.

Ao fim e ao cabo, Milton Santos afirma que uma outra globalização passará pela mutação filosófica da espécie humana. Ou seja, uma mudança radical de mentalidade, que depende de um processo elevado de conscientização. Novamente, estamos diante de um embate com as corporações de mídia, pois como afirmou a psicanalista Maria Rita Kehl, em depoimento ao documentário Muito Além do Cidadão Kane: “A Globo conseguiu, melhor do que qualquer política repressiva, de proibição, de censura, alterar a consciência do brasileiro sobre sua condição”. Essa deve ser a luta de quem quer fazer do Brasil um país mais humano e fraterno.

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