Tuesday, April 29, 2008

DISPONÍVEIS

DISPONÍVEIS
DISPONÍVEIS

António Pedro Ribeiro

Na Póvoa ficámos famosos por sermos acusados de deitar abaixo a estátua do Major Mota. Mantemos as razões do nosso protesto: a estátua do major corresponde ao branquear de figuras da ditadura e um insulto a todos aqueles que lutaram pelo 25 de Abril. Em Braga ficámos famosos de ocupar um hipermercado em 1990. Em suma, somos celebridades mediáticas pois, para lá do exposto, publicámos o livro "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro" e participamos na maratona das 54 horas da poesia non-stop no Cais Art's. Já fomos candidatos à Presidência da República e às Juntas da Póvoa e de Vila do Conde. Se calhar, nós é que mericíamos a estátua mas como somos discretos e modestos não pedimos tal. Sim, passamos a vida a ler mas produzimos obra. Estamos disponíveis para as autárquicas. Obrigado à "Voz da Póvoa" pelo tempo de antena e parabéns pelos 70 anos.

DOENTE


EStou na merda
mas mantenho a amabilidade para com os homens
não sou do género de desatinar com tudo
estou doente
a sociedade põe-me doente
nem o Rocha me levanta
estou aqui
no espaço físico da "Brasileira"
não em casa
não em outro lado qualquer
estou doente
nada mais do que doente
é esse o meu grito
é essa a minha súplica
estou doente
tenho o direito de estar doente
a culpa é do mundo
não é minha
estou encerrado!
Fechei para balanço!
Estou doente
nada há a fazer
estou doente
Merda!
Estou doente.

Wednesday, April 09, 2008

UM POETA A MIJAR


UM POETA A MIJAR

O título da mais recente colectânea de A. Pedro Ribeiro enviou-me para uma tal de «poesia diurética», expressão usada por Luís Adriano Carlos na introdução a Alegria do Mal, reunião da obra poética de José Emílio-Nelson. Todavia, a poesia de A. Pedro Ribeiro, ainda que declaradamente abjeccionista, nada tem de diurético, procurando antes os caminhos do manifesto, de uma notória obstinação e de uma disfarçada abnegação. Um Poeta a Mijar, editado pela Corpos, surge depois de Saloon, um volume saído nas já clássicas Edições Mortas. Muita matéria os liga, até porque a forma descarnada como A. Pedro Ribeiro se expressa não dá lugar a grandes desvios, inflexões temáticas ou inovações de conjunto. O que é curioso notar é que estes poemas-manifesto, nessa sua forma descarnada, apresentam-se-nos também como um disfarce, o disfarce do poeta maldito autoproclamado, aquele que rejeita as cátedras não porque nada tenha que ver com elas mas porque nada quer ter que ver com as mesmas, o anónimo que opta por trabalhar apenas dois dias por semana para poder passar o resto do tempo a «pensar, criar, partir a loiça» e «observar discretamente / o balançar de ancas da vizinha». O tom não é tanto de galhofa como parece ser de insurreição, é um tom que se manifesta cruamente na consequência de retratos sociais e ilações morais fundamentadas na experiência dos dias, na vagabundagem intelectual, no estilo pouco fundamentado da gente mais comum: «a vida é uma merda». Entram o futebol, a televisão, o euromilhões, os casos políticos, a Internet, os telemóveis, a polícia, como marcos de uma vertigem social e de uma alienação colectiva que o poeta traz para a sua poesia num sentido meramente crítico e purgativo. A par destas expurgações, o sexo, o álcool, a música, aparecem enquanto metáforas vivas e vividas de uma vontade de escapar ao que se julga ser o fado alienante da maioria dos portugueses. A existir uma poesia pop, esta é uma poesia punk. E, tal como no género que os The Sex Pistols imortalizaram, a música é a da celebração da guerrilha, da vontade, do motim, do desvio enquanto caminho possível, enquanto fuga possível, enquanto atalho para uma vida menos morta ou, se quiserem, para uma morte mais vivida. Um poema mais longo, A Ilíada de Velvet, assim como os exercícios em prosa automática intitulados Borboletas, Ode a Jim Morrison, Satã Comeu a Cortesã e O Meu Reino Não É, ou mesmo os dois apontamentos micronarrativos Rock N’ Roll e A Valsa da Elsa, são textos paradigmáticos dessa postura que uns considerarão antipoética, outros julgarão gratuita, alguns tenderão a classificar de panfletária. Quanto a mim, prefiro ver nestes cantos um grito espontâneo, um ruído que nos aproxima daquela loucura que nos salva da normalidade, a atrofiante normalidade dos dias. Prefiro ver nestes cantos, e na voz escalavrada do poeta, um alívio instintivo. Este é, sem dúvida, o livro de um poeta a mijar, de um poeta a aliviar-se dos detritos agressivos que o enchem, incham, infectam no decorrer dos dias. Não é um livro simples como possa parecer. Nenhum livro é simples como parece. É um livro informal, onde a experiência aparece incorporada numa mescla de denúncia, teatro grotesco e eucaristia festivaleira. Não é mais um livro com um programa satírico, de escárnio e mal dizer, não é irónico nem deixa de o ser, não é diurético e, mesmo que possa relevar inclinação abjeccionista, não é de carimbar com ismos e de colocar nas prateleiras ao lado das centenas de livros classificados e classificáveis que diariamente chegam às livrarias. Porque este é, sem dúvida, o livro de Um Poeta a Mijar: «O poeta dirige-se à casa de banho e mija / Sim, porque os poetas também mijam e cagam / Não passam a vida a escrever versos e a apurá-los / Não passam a vida a fazer horas / E a aturar chatos no café / Não andam sempre a micar as meninas / para lhes oferecer poemas / Com fins libidinosos. // O poeta dirige-se à casa de banho e mija» (p. 36).

in http://antologiadoesquecimento-leituras.blogspot.com