Tuesday, February 12, 2008

DE PEDRO MEXIA SOBRE LUIZ PACHECO


Mas o Pacheco não é só um surrealista dissidente e um jornalista dos copos e do estilo. Os seus textículos, contos autobiográficos geralmente curtos e muitas vezes líricos, são do melhor que se tem escrito por cá. Não podemos ignorar prosas como «O Teodolito», «Os Namorados» e sobretudo os fabulosos «Comunidade» e «O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor», textos cheios de ternura e desespero, de memórias e sarcasmos. «Comunidade» mostra como o abjeccionismo de Pacheco pode não ser uma coisa apenas abjecta mas também poética, assim um mundo à João César Monteiro. Nesse relato, uma família dorme numa só cama em condições miseráveis, numa cama-jangada onde se revelam as misérias e esplendores da condição humana. A família, nem é preciso dizer, é a do Pacheco, dado a lolitas e à procriação. «O Libertino…» é uma tragicomédia sexual na cidade dos Arcebispos, em que um libertino frustrado (o Pacheco, está-se mesmo a ver) persegue em vão uma adolescente, não tem dinheiro para ir a um bordel, tem um encontro interrompido com um magala e acaba numa pensão rasca condenado ao sexo solitário; neste texto fica bem demonstrado como a libertinagem do Pacheco não é a libertinagem sofisticada dos aristocratas racionalistas e decadentes – embora o Pacheco não seja um filho das ervas – mas uma cedência sem culpa nem alegria às pulsões e às oportunidades da vida (v. Cardoso Pires na «Cartilha do Marialva»). Em relação a estes textos o Pacheco sente-se um pouco como os cantores que vêem o público pedir sempre os mesmos velhos sucessos: já está farto deles. Mas, o que é que se há-de fazer, são mesmo do melhor que escreveu?
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Existe em Portugal uma certa corrente surrealista-abjeccionista que tem no Pacheco o seu patriarca, mas o certo é que a descendência não vale nada ao pé dele. Porque o Pacheco, apesar dos processos, das prisões, das adolescentes e dos rapazes, das pensões, dos sanatórios, do alcoolismo, da mendicidade, do «viver de amigos», vê esse ofício de «escritor maldito» como uma condição apesar de tudo útil mas não como um destino voluntário. Muita gente gosta de Pacheco por má razões, mas isso é o que acontece com todos os «malditos». Porque o Pacheco, ó dadaístas, faz literatura, escreve prosa da melhor, faz estilo sem exercícios, é um panfletário sem ser um energúmeno, é terrivelmente sincero mesmo quando finge. Não é um velho dos Marretas ou o «marginal» de serviço, mesmo que queiram vê-lo assim. Na Contraponto deu-nos Cesariny e Herberto, e também Kleist, Dostoievsky, Pirandello, Tchekov e Apollinaire. O Pacheco, enfim (mas é preciso dizê-lo baixo) é um escritor. Depois de sucessivas mas obscuras edições e reedições, já se tornava necessária a reunião de vários textos num só volume. A edição da Estampa não é brilhante, mas é mesmo assim preciosa e tem uma bibliografia patusca. A seguir o que falta mesmo é a obra completa. Em papel-bíblia, claro.

in http://ofuncionariocansado.blogspot.com

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