Wednesday, December 19, 2007

O BARDO


O Bardo na Brêtema




Rudesindo Soutelo










Entra no esquema




Aqueles que são mais inteligentes do que eu sempre fazem a mesma sugestão, por vezes imperativa mas, como se já fosse um caso perdido, quase sempre paternalista e com um tom de velada ameaça. A mediocridade musical e cultural -politicamente correcta- do país não dá para integrar vozes discordantes; e manter uma opinião própria é ousadia que se paga com a marginalização ou mesmo com a injúria, calúnia e difamação para promover o descrédito social do insubordinado. Entrar no esquema quer dizer que um já não precisa de ter ideias, e se por acaso lhe viesse alguma ao pensamento há-de escondê-la bem para não contrariar aqueles que o sustentam no poder, cargo, emprego, ofício ou função. O esquema remunera a mediocridade e gera um séquito de bonifrates, fantoches, títeres e marionetas; pessoas levianas e sem vontade própria que perpetuam um sistema de subservientes, louvaminhas e bajuladores.




Os Conservatórios públicos galegos têm um nível muito baixo, bastando ver o número de alunos europeus que vêm cá estudar nos nossos centros superiores ou quantos alunos formados aqui fazem carreira nos palcos da Europa sem passar antes por Conservatórios de outros países, nomeadamente França, Inglaterra, Holanda, Áustria, Alemanha, Itália ou mesmo Portugal, para adquirir a competência profissional que aqui não se alcança. Porque as habilidades que entre nós se ensinam apenas dão para aprovar formalmente os exames de oposição aos próprios Conservatórios, num sistema endogámico. Ainda assim, se o candidato não entra no esquema irá ser constantemente reprovado. É conhecido o caso de um acreditado profissional de música que este ano atingiu o limite da idade laboral sendo continuamente reprovado nas oposições de Conservatórios; mesmo que os seus valores e saberes sejam superiores aos dos júris que durante anos o rejeitaram. É um dos casos mais ignominiosos mas não é o único. Estas infâmias músico-pedagógicas estão instigadas por uma política educativa que gera o seu próprio esquema de mediocridades mexendo cordelinhos na sombra para recompensar com postos directivos os mais dóceis e obedientes, privando de iniciativa e mesmo de independência pedagógica os poucos profissionais que, sem entrar no esquema, conseguem aprovar.




Há professores de Conservatório que estão a ser perseguidos por promover ou apoiar uma candidatura para o conselho directivo diferente da oficial, ou seja, que não entra no esquema dos responsáveis políticos da educação musical. Mas como não é "estético" acusá-los de democracia então estão a ser imputados de não utilizar nas memórias pedagógicas o mal chamado "galego normativo". Acontece que no reino da Espanha não existe legislação alguma sobre normativas de escrita portanto não se pode obrigar alguém a escrever com uma determinada ortografia. Tão galego é representar a nossa língua com a grafia do castelhano como com a do português, outra coisa são os fundamentos filológicos e políticos que sustentam tais decisões. Há mesmo sentenças que assim o julgam porque a escrita não é mais do que uma representação da língua e como tal está sujeita a interpretação dos utentes. Assim pois, diante dos inspectores, tiveram de retirar as acusações e pedir desculpas aos professores. Não darei os nomes dos perseguidos para evitar-lhes represálias maiores e porque antes seria mais justo dar os nomes dos que formam o esquema inquisitorial. Mal vai uma Conselharia de Educação que persegue os que escrevem na nossa língua, seja na norma que for, e não se importa pelo nível educativo, neste caso, da música.




Aqueles que são mais inteligentes do que eu sempre estão no carro do poder, seja lá o poder que for e mesmo que a legitimidade o desassista.




Está-se a celebrar um centenário com mais pompa que substância onde tudo brilha com a luz trémula dum amortecido glamour. Pascual Veiga passou meia vida procurando que a Galiza tivesse um hino próprio, e pouco antes de morrer no exílio madrileno enviou para Cuba a composição musical que logo se converteu no símbolo pátrio por excelência. É uma obra notável e singular mas a versão original, para coro masculino segundo o gosto da época, é hoje muito inapropriada. Rogélio Groba, por encomenda da Xunta, fez os arranjos do hino e dignificou mesmo certos aspectos da partitura, mas como não entra no esquema dos celebrantes pois ignorado é. Parece que estão a dar voltas ao redor do nosso hino para o banalizar e ver como amputar a conflituosa segunda parte -"Nação de Breogam"- que também não lhes entra no esquema.




Ligaram-me do IGAEM (Instituto Galego das Artes Cénicas e da Música) para responder a um inquérito sobre a indústria musical galega e já na primeira pergunta percebi que o seu esquema tem pouco que ver com uma indústria musical que explore aqui a nossa muito rica matéria prima e criativa. Promove-se a cultura musical do subdesenvolvimento,

pois ignoram que a base da indústria musical são os contratos de edição, e não as fonográficas nem os organizadores de concertos. Sem compositores não há música nem indústria e sem editoras que defendam, explorem e controlem os direitos dos nossos criadores não passamos de um país terceiro-mundista, controlado por multinacionais do entretenimento ou da brincadeira. Confesso a minha ingenuidade quando pretendi assentar na Galiza a editora de música Arte Tripharia com a sua colecção "Corpus Musicum Gallaeciae". Aqui não interessa a música dos nossos criadores originais, e ainda menos se falarmos de música culta ou erudita. Depois das últimas campanhas difamadoras que os que estão no esquema me infligiram desde foros da internet, a editora vai-se embora. E eu, que sempre quis ser de onde nascera, agora sei que cada um é de onde o querem.




Aqueles que são mais inteligentes do que eu repetem sempre a mesma cantilena: -"Entra no esquema!". Mas haverá um esquema que nos livre de tanta mediocridade? E continuaria eu a ser livre se aceitar as prebendas do esquema? A dignidade ninguém a concede, conquista-se.




© 2007 by Rudesindo Soutelo

www.soutelo.eu

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